Coligação terá governo instável, Costa fragilizado não se demite
PSD/CDS perdem estabilidade da maioria absoluta, mas assumem direito a ser Governo. PS perde as eleições e já tem seguristas a pedir congresso extraordinário. A surpresa da noite foi a subida do BE.
É certo que a coligação ficou abaixo da vitória de há quatro anos, em que os dois partidos juntos atingiam os 50,37% dos votos. Mas agora, apesar de António Costa ter feito o PS crescer em relação às legislativas de há quatro anos – em que os socialistas liderados por José Sócrates obtiveram 28,05% e elegeram 74 deputados –, a verdade é que o PS se ficou pelos 32,3%, pouco mais que os 31,4% que António José Seguro obteve em Maio de 2014 nas europeias e que, na própria noite eleitoral, Costa classificou como uma vitória “poucochinha”.
A outra novidade das eleições que também se opôs às expectativas são os resultados da CDU e do BE. Mais uma vez, contra as previsões do início da campanha ao nível dos partidos menores com assento parlamentar, a CDU tem um bom resultado, atingido 8,2% e elegendo 17 deputados.
Mas surpreendente é a subida do Bloco de Esquerda, que quase dobra o resultado de 2011, ficando nos 10,2% e podendo chegar aos 19 deputados, quando tinha só oito. Elegendo pela primeira vez em círculos como a Madeira. Com este resultado, o BE passa a ser o principal partido à esquerda do PS, posição que obteve em 2009, quando o CDU obteve 15 deputados e o Bloco 16. E é um facto que Catarina Martins, se conseguiu uma liderança frágil no Congresso do BE em Novembro passado, em que disputou ao lado de João Semedo a chefia do partido com Pedro Filipe Soares, agora ganha uma legitimidade interna que é incontestável.
Uma novidade no Parlamento é a eleição de um deputado do PAN (Partido Pessoas-Animais-Natureza), que elegeu o seu cabeça de lista por Lisboa, André Lourenço e Silva. De resto, defraudando as expectativas, nenhum outro pequeno partido elegeu. Nem o Rui Tavares foi eleito pelo Livre/Tempo de Avançar, nem o PDR conseguiu eleger o cabeça de lista por Lisboa, Sousa Castro, ou por Coimbra, por onde se candidatava o seu líder, Marinho e Pinto.
Passos abre ao PS
No final da noite eleitoral, como é tradição, falou o vencedor. Ou seja, os líderes da coligação, Pedro Passos Coelho e Paulo Portas. Como segunda figura, o líder do CDS começou por dizer que a vitória tinha “clareza”, mas garantiu que ambos os partidos iriam saber ler a maioria relativa que receberam e agir em consonância com ela. E começou logo a prometer “compromisso”, “abertura”, rejeitando de pronto qualquer tentativa de “impor uma maioria negativa”.
De seguida, Pedro Passos Coelho foi mais explícito na sua mensagem. Assumiu que “a força política vencedora foi a coligação” e anunciou a intenção de afirmar ao Presidente da República, Cavaco Silva, a sua disponibilidade para formar Governo.
Não ignorando que perdeu a maioria absoluta e que terá de negociar no Parlamento, Passos Coelho lembrou que há um património europeu comum entre o PSD, o CDS e o PS, e afirmou-se disponível para negociar acordos pontuais com os socialistas na Assembleia da República.
Rejeitando qualquer cenário de maioria de esquerda, Passos Coelho advertiu: “Seria estranho que quem ganhasse as eleições não pudesse governar.”
Cavaco chama Passos
Terminadas as eleições, cabe ao Presidente da República, Cavaco Silva, analisá-los e ouvir os partidos que conseguiram eleger deputados à Assembleia da República, certo de que não pode convocar eleições porque está em final do seu mandato e nos primeiros seis meses do novo Parlamento.
Tudo indica, de acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, que, face ao resultado claro de vitória eleitoral da coligação, mesmo sem ter maioria absoluta, Passos Coelho será convidado a formar Governo. Até porque nas audições aos partidos que o Presidente fará é de esperar que CDS e PSD manifestem ao Presidente a intenção de manter o acordo de coligação governativa com base no qual se candidataram.
É certo que, nos cenários feitos logo na noite das eleições nos partidos de esquerda, havia quem admitisse que, se o PS tivesse mais deputados do que o PSD ou que, juntamente com o BE, conseguisse mais mandatos do que a coligação, o Presidente poderia ser forçado a chamar Costa a formar Governo. Mas de acordo com as informações recolhidas pelo PÚBLICO, isso não passa de wishful thinking de algumas pessoas de esquerda. E não há qualquer perspectiva de que o Presidente, num primeiro momento, não opte por chamar a coligação a ser Governo.
A tese de que há uma maioria de esquerda, pelo que o Presidente não pode dar posse a um Governo de direita, foi vincada pelo secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa, ao comentar na sede o que classificou como uma vitória da CDU.
A questão de um governo de esquerda face à perda da maioria absoluta da coligação era, no domingo, contrariada por outros factores para além do carácter institucional e formalista do Presidente. O facto de Catarina Martins ter aproveitado a sua declaração de vitória para desafiar o PS e a CDU a formarem um Governo de esquerda com o BE – prometendo mesmo que irá “rejeitar o programa de Governo" – acabou por inviabilizar qualquer negociação de bastidores entre bloquistas e socialistas. Isto porque o PS surgiria sempre como o parceiro convidado a coligar-se, quando na prática é o partido que tem mais deputados entre a esquerda e, portanto, seria dominante nessa relação.
Costa fragilizado
Outro factor que dificulta um cenário de um governo de esquerda é o facto de António Costa sair desta eleição fragilizado na sua legitimidade interna. Isto porque desafiou Seguro em nome da necessidade de uma vitória que não surgisse como “poucochinha” e terminou derrotado.
Fez o seu discurso de derrota assumindo “por inteiro a responsabilidade política e pessoal” do resultado. Alertou a coligação para que a “perda da maioria” cria “um novo quadro político” no Parlamento. Mas foi claro a garantir que só votaria a rejeição do programa do Governo da coligação se tivesse uma alternativa de Governo a apresentar.
Já sobre o seu futuro foi prudente. Fazendo um trocadilho com a histórica frase de Humberto Delgado, afirmou: “Manifestamente não me vou demitir.” Para em seguida afirmar: “Nunca estarei a mais.” Ou seja, admitindo poder vir a sair se for essa a vontade do PS.
E, na própria noite eleitoral, apoiantes de Seguro começaram a pedir responsabilidades a Costa. Primeiro foi Eurico Brilhante Dias que manifestou a sua preocupação com os resultados do PS, depois foi Ana Gomes a acusar: “O PS falhou.” E a defender que, “rapidamente, o partido possa analisar nos órgãos próprios por que é que estes foram os resultados eleitorais”.
Depois foi José Junqueiro a sustentar: “No início desta legislatura, o PS iniciou uma oposição construtiva e obteve sucesso nas eleições autárquicas e europeias. Esse processo foi interrompido pelo doutor António Costa, que defendeu uma vitória rápida nestas eleições. Os resultados desta noite contrariam essses objectivos. Estamos à espera de que o secretário-geral interprete estes resultados.” E, por fim, Álvaro Beleza considerou que era preciso calma, mas pediu um congresso do partido, já que a reunião da comissão política que Costa prometeu para terça-feira “é poucochinha”.