Uma campanha triste
A seguir às eleições tem de se pensar na reforma do sistema político, o que passa pela revisão da lei eleitoral, permitindo a escolha directa de pessoas.
Nas legislativas de 2011 a taxa de abstenção foi de 42% (arredondo os números), a que acresceram 4% de votos brancos e nulos, o que significa que de todos os eleitores recenseados só 54% quiseram escolher um partido. O mais votado foi o PSD, encabeçado por Pedro Passos Coelho, com 39% dos votos, que somados aos 12% do CDS de Paulo Portas perfizeram 51%, garantindo uma escassa maioria absoluta. A derrota do PS, liderado por José Sócrates, foi inequívoca, pois ficou nos 28%. Hoje, tomando a média das várias sondagens (cuja margem de erro é grande) que Pedro Magalhães reuniu no seu blogue Margem de Erro, a soma dos votos no PSD e no CDS só dá 39%, 12 pontos abaixo do resultado de há quatro anos, apesar de beneficiarem da sinergia da coligação. Se as sondagens se confirmarem, assistiremos a “um corte” de 24% nos partidos que têm governado em relação aos resultados de 2011. A queda dos partidos da maioria, chefiados pelos mesmos líderes de há quatro anos, será esmagadora. Bem sei que há o método de Hondt para apurar mandatos, mas onde irão eles buscar os votos que lhes faltam para a maioria absoluta?
Quanto ao PS, as sondagens, agora com António Costa em vez de Sócrates, dão-lhe 35%, mais 7% do que há quatro anos, isto é, terá um crescimento de 25% . A pergunta é a mesma que se coloca ao PSD-CDS: o que fará com estes votos, manifestamente insuficientes para formar um governo maioritário? Os dois partidos que se seguem em percentagem de votos, CDU e Bloco de Esquerda, subirão, segundo as sondagens, um poucochinho. Mas a hipótese de os seus votos se somarem aos do PS parece lunática: seria como um elefante a voar. Há ainda partidos mais pequenos, que, no seu conjunto, somarão mais do que nas eleições anteriores, mas não parece provável que possam ajudar a uma maioria quer à direita quer à esquerda.
Falo de sondagens, apesar de pensar que estão hipervalorizadas pelos media. A evolução diária de sondagens não tem grande significado já que ninguém muda de opinião de um dia para o outro e mesmo que alguns, poucos, mudem, as margens de erro impedem a captação desse fenómeno. Mas creio que elas reflectem tendências do eleitorado na data em que são feitas. Para além da queda do PSD-CDS em favor do PS, há uma outra mensagem importante que estão a transmitir: a abstenção não vai diminuir e o número de votos brancos e nulos vai aumentar. A campanha em vez de convidar à participação está a afastar os eleitores. Feita de arruadas e comícios, flashes e soundbytes, mentiras e mais mentiras, a campanha pouco está a contribuir para o esclarecimento dos cidadãos. Os partidos não conseguem sair das bolhas onde há muito se encapsularam.
A seguir às eleições tem de se pensar na reforma do sistema político, o que passa pela revisão da lei eleitoral, permitindo a escolha directa de pessoas. Com o nosso anacrónico sistema eleitoral, dominado pelas máquinas partidárias, muita gente não se sente representada. No dia 4 de Outubro irei votar para evitar o pior. Estou com Karl Popper quando ele diz que o mais importante em democracia é controlar o poder de quem manda e, claro, retirar o poder a quem manda mal. Em 2011 não tive dúvidas em contribuir para afastar o anterior primeiro-ministro. Agora, não tenho dúvidas em afastar o seu sucessor. Não é apenas o prejuízo incalculável que causou à ciência, à educação e à cultura, causas que lhe são totalmente estranhas, não deixando réstia de esperança aos jovens que se julgavam no direito de mostrar entre nós o seu talento. É também e sobretudo o seu extenso rol de tontarias, que seriam o mote de implacáveis farpas, se Eça andasse por aí. Passos Coelho enganou-nos repetidamente, só para dar um exemplo, no inacreditável caso BES. Foi ele, antes da “resolução”, que garantiu que se podia investir nesse banco. Foi ele também que, depois dela, afirmou que não haveria qualquer prejuízo para os contribuintes. Foi ele ainda que disse que afinal não vender o Novo Banco era bom, pois o Estado encheria os bolsos de juros. Finalmente, foi ele que disse, em plena campanha, que ia encabeçar um peditório para que os lesados pudessem recorrer à justiça a fim de processar não só o banco mas também provavelmente o Banco de Portugal e o próprio governo (os dois conluiados no caso). Estou à espera de saber quanto é que ele vai dar do seu próprio bolso: dez euros, cem euros, mil euros ou dez mil euros? Seja lá quanto for, o que der não deixará de ser uma medida, ainda que patética, da avaliação que faz do estado do país. Um governante com vocação para pedinte não merece o meu voto.
Professor universitário (tcarlos@uc.pt)