Da geometria para a realidade
O regresso a Lisboa de Nicolás Robbio, numa exposição feita de deslocamentos e desenho
, comissariada por Filipa Oliveira, começa no exterior. Uma parede de vidro apoiada num ângulo de 90 graus está coberta de areia, sinalizando a transformação que aguarda os visitantes. Passada a porta, o efeito do gesto revela-se: vê-se uma dissecção do monte de areia, um recorte, que permite olhar o seu interior. Entre o dentro e o fora, o natural e o analítico,
Porção— este é o nome da peça — é um prólogo dos encontros seguintes,
Na primeira sala, elevam-se nove aquários, deixando ver pequeníssimos objectos e materiais. Como os descrever? Podem ser dioramas cujas superfícies o vidro e a água alteram, ou paisagens habitadas por formas elementares ou geométricas. Tente-se outra descrição: são, também, “retratos” do peso, da leveza, da visibilidade e da invisibilidade, da fragilidade; representações ou fragmentos de uma natureza infinita.
Os materiais usados por Nicolás Robbio exploram os sentidos associados a estes conceitos. Cartão, açúcar, esferovite, metal, terra, tinta, plantas, pedras permitem-lhe imobilizar tensões, simetrias, ilusões. E se em alguns aquários é a marca de uma dimensão escultórica que assoma, noutros é o desenho ténue que, sob a água, se manifesta. Na segunda sala, o artista colocou uma quadrícula sobre objectos recorrentes no seu trabalho (pregos e cordas) e outros materiais. A mudança da escala obriga a uma reorientação dos sentidos do espectador. Este tem de ver para não cair, para não destruir a obra. Andar com cuidado, atento ao mapa imaginário que o artista desenhou: as irregularidades do chão integram-se na intervenção e as linhas desenhadas pela mão do artista sobrepõem-se às rectas e aos ângulos desenhados pelas cordas.
A geometria organiza e desenha os espaços e os percursos, cercando e orientando o espectador. Mas Robbio entende-a como uma interpretação, entre outras, do mundo. Veja-se a instalação 14Bis, em que cordas invisíveis seguram e soltam pequenos paus de madeira. Face a uma geometrização do mundo, a exposição ousa propor a irredutível percepção do espectador e a imperfeição da natureza. No ar, como que levitando, as peças permitem a imaginação de outras linhas, de outras formas; confrontam o espectador com as convenções da geometria. Na sala seguinte, as paredes foram cobertas de vinil autocolante negro. Podiam ser monocromos, mas são sobretudo fundos negros em que linhas (feitas de cordel e desenhadas) traçam ângulos e formas geométricas frágeis, furtivas. Mostram-se e escondem-se consoante os movimentos do espectador no espaço. A partir dessa realidade, Nicolás Robbio convida-nos então a observar, a ver outra. Aquela que os recortes (em forma de círculos) feitos na parede permitem entrever: no exterior, o jardim do Pavilhão.