Apetite de sal durante a gravidez explicado nas moscas-da-fruta

Tal como nos humanos e em outros animais, as moscas-da-fruta gostam de mais sal quando estão grávidas. Uma equipa de cientistas, em Portugal, explicou os mecanismos fisiológicos por trás daquele fenómeno, que poderão ajudar a compreender o que se passa nos mamíferos.

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O sinal que desencadeia a vontade de sal vem do macho Francisco Romero

O trabalho realizado por uma equipa de investigadores do Centro Champalimaud para o Desconhecido, na zona ribeirinha Lisboa-Algés, aborda especificamente a vontade das fêmeas destes insectos de comerem sal após terem copulado com um macho e mostra que elas passam a gostar mais de sal. Este fenómeno é controlado por uma molécula existente no esperma do macho e é independente da necessidade real daquele mineral por parte das fêmeas. Mas tem consequências na reprodução: se as fêmeas ingerirem mais sal vão produzir mais ovos.

Baseando-se num conjunto elegante de experiências, os investigadores liderados por Carlos Ribeiro revelam ainda parte da sinalização neuronal que a molécula do macho desencadeia na fêmea. O estudo foi publicado nesta quinta-feira na revista científica Current Biology.

“Em muitas espécies de mamíferos, a preferência por sal aumenta durante a gravidez, mas até agora ainda se desconhecia se a mosca-da-fruta partilhava este comportamento”, refere Carlos Ribeiro, citado num comunicado daquele centro.

As moscas-da-fruta (Drosophila melanogaster) são o animal-modelo preferido de muitos cientistas por serem relativamente simples, terem um ciclo de vida rápido, não estarem associadas a tantos problemas éticos e serem facilmente mantidas. Muitas vezes, descobrem-se mecanismos fisiológicos nas moscas-da-fruta que permitem, dentro de certos limites, lançar teorias mais abrangentes para explicar fenómenos nos animais, e depois são testadas em experiências com ratinhos ou galinhas.

“A nutrição é um tópico extremamente complexo. Para se perceber de que modo o cérebro regula o consumo de nutrientes é necessário trabalhar com um organismo que nos permita ter acesso a um vasto conjunto de tecnologia. E nesse aspecto, a mosca-da-fruta é imbatível”, explica Carlos Ribeiro.

O paladar das moscas-da-fruta está nas suas patinhas. É com elas que o insecto saboreia os alimentos. Depois, usando a probóscide – o tubinho que sai da cabeça dos insectos – as mosca-da-fruta sugam os alimentos.

A equipa fez uma primeira bateria de experiências para averiguar se, após o acasalamento, as moscas-da-fruta tinham mais vontade de sal. Os cientistas descobriram que as fêmeas depois de se cruzarem alimentavam-se mais frequentemente de sal, e têm uma tolerância maior à concentração de sal do que as fêmeas virgens. Além disso, a equipa descobriu que quanto mais sal ingerem, mais ovos produzem.

“Verificámos que existe uma correlação directa entre a quantidade de sal na dieta e a quantidade de ovos que as moscas conseguem produzir”, diz Carlos Ribeiro. “O sal parece ser importante em muitas espécies, desde moscas, a elefantes e humanos. Isto sugere a existência de princípios biológicos universais subjacentes a este comportamento e que poderão ser identificados em diferentes espécies.”

Depois, os cientistas foram tentar compreender a origem do sinal que faz com que as fêmeas tenham mais apetite por sal. Este sinal pode partir de um estímulo interno da fêmea face a uma necessidade de sal causada pelo desenvolvimento dos ovos, ou pode ser devido a um sinal externo.

Para testar isso, os cientistas impediram o desenvolvimento dos ovos num número de moscas-da-fruta, mas deixaram-nas copular à mesma. Apesar de não haver uma necessidade real de sal, as fêmeas continuaram a ter mais vontade de ingerir o mineral. Por isso, os cientistas foram ver se havia alguma substância no esperma dos machos que estaria a desencadear esta vontade.

O principal alvo foi uma molécula chamada péptido do sexo (um péptido é constituído por aminoácidos, tal como uma proteína, mas é mais pequeno). O péptido do sexo das moscas-da-fruta desencadeia uma série de comportamentos nas fêmeas, como uma menor vontade de copular. Quando os cientistas usaram machos mutados que não produziam esta molécula, as fêmeas deixaram de ter uma maior vontade de ingerir sal após o acasalamento. Assim, esta molécula é a responsável pela mudança do comportamento.

“Esta molécula activa neurónios no útero da fêmea”, explica Samuel Walker, um dos autores do estudo, citado no comunicado. “A partir daí, encontrámos uma pequena cadeia de interacções que activam a preferência por sal.”

Segundo o artigo, estudos feitos no passado mostram, em outros animais, que o aumento da necessidade de sal surge nas fêmeas de ratos alguns dias depois do acasalamento, e pode ser induzido em fêmeas de coelhos que não acasalaram quando se injecta um conjunto de hormonas presentes na reprodução. Mas desconhece-se nos mamíferos como se faz esta ligação, algo que foi desvendado agora nas moscas-da-fruta.

O próximo passo, de acordo com Carlos Ribeiro, é perceber o que muda no cérebro na percepção do sal após a reprodução: “Como é que a reposta do cérebro a mudanças do sal após o acasalamento desencadeia este comportamento transversal a diferentes espécies?” A mosca-da-fruta será, de novo, o modelo escolhido para tentar responder a esta questão.

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