Há quem troque letras e quem as coma. Quem diga parteleira ao invés de prateleira, insonsa e não insossa, salganhada em vez de salgalhada. Quem chame ranhosa à ovelha que, afinal, é ronhosa e quem confunda calças desbotadas (ruças) com calças de leste (russas). E existem, ainda, os imaginativos autores de palavras. Num dos seus discursos, Cavaco Silva, patenteador do vocábulo cidadões, disse, com toda a segurança, "nunca o fiz, não faço, nem façarei". Pelo visto (e, sim, é "pelo visto" e não pelos vistos), também não fará uso do dicionário nem dos tempos verbais. É certo que a língua evolui, mas, felizmente, não tanto. E se o significado das palavras não deveria ser uma moda, a sua grafia muito menos. O Dicionário de Erros Frequentes da Língua, do revisor e autor Manuel Monteiro, está aí para o provar.
Não é um dicionário tradicional. Não reúne erros básicos e grosseiros como os dos cartazes da Olá ("lembras-te?") ou os das entradas facebookianas da antropóloga e deputada do PS, Catarina Marcelino, que não tendo "por hábito fazer sensura", não tulera, porém, difamações ameaçando bloquiar os seus autores. É, antes, um livro que responde às perguntas mais frequentes da língua portuguesa, homenageando a sua riqueza e exigindo ao leitor um esforço simples que a cultura digital nem sempre demanda: pensar.
Em mais de duzentas páginas, publicadas pela Soregra Editores, descobrimos que os erros que recorrentemente cometemos resultam não só de distorções pela oralidade e pela semelhança fonética, mas também de redundâncias involuntárias e de adaptações desnecessárias e servis. Assim acontece, por exemplo, ao dizermos tabagismo e não tabaquismo quando temos as palavras tabaco e tabaqueira (adaptação do francês "tabagisme", já por si de formação irregular). Quando arrancamos as páginas de um livro (desfolhar) em vez de o folhearmos. Ao trocarmos rendibilidade por rentabilidade ("o verbo é rendibilizar" e rentabilidade remete para rentar, que significa, entre outros, cortar rente, nada tendo que ver com renda ou lucro). Ou, ainda, quando não flexionamos os verbos em género e em número: passadas duas semanas e não passado duas semanas.
Em grande medida, a prelavência destes erros na linguagem pública é o espelho de uma sociedade cada vez mais apressada, repetitiva e empobrecida na sua diversidade. Uma sociedade que prefere o digital ao físico, o imediato ao ponderado, a rapidez ao rigor. Um estudo da Marktest revela que, em maio de 2015, "os portugueses passaram cerca de 110 milhões de horas online, numa média de 19h35 por cada utilizador". Quase vinte horas, um número duplamente assustador se considerarmos que o tempo médio de permanência numa página é de apenas três minutos.
Em três meses, o Dicionário vai já na terceira edição. Quando inquiridos sobre o erro gritante e repetido nos seus cartazes, os responsáveis da Olá alegaram ter sido um lapso. Talvez seja oportuno enviar-lhes um exemplar. Ou não vá a Língua de Camões converter-se na linguagem de Sua Excelência, o Presidente da República.