"A pobreza é um problema político", diz Bruto da Costa

Roteiro para a Estratégia Nacional de Erradicação da Pobreza foi apresentado esta quarta-feira no Porto.

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Vendo a pobreza a aumentar desde o princípio da crise, em particular com a austeridade, a EAPN-Rede Europeia Antipobreza/Portugal juntou um punhado de estudiosos, activistas e membros de organizações de âmbito local, regional ou nacional. Bruto da Costa esteve sempre nesse grupo, que ao longo de dois anos reflectiu, debateu e delineou propostas, e coube-lhe apresentar os resultados no final do dia desta quarta-feira, no Palácio da Bolsa, no Porto

“O combate à pobreza implica redistribuição de poder”, discursou aquele conselheiro de Estado. “Pobre é quem, além do mais, perdeu todas as formas de poder. Combater a pobreza é, além do mais, restituir ao pobre o poder que perdeu. Também por isso, o combate à pobreza é, antes de mais, um problema político. E, porque está ligado à satisfação das necessidades básicas, é um problema político da mais alta prioridade. É um problema de liberdade, de dignidade.”

Na plateia estavam elementos de diversos partidos, com destaque para José Soeiro (BE) e Carla Miranda (PS) e José António Pinto (CDU), candidatos pelo círculo do Porto. A moderar a mesa, o presidente da  EAPN-Portugal, Agostinho Jardim Moreira, pediu-lhes que levassem "a preocupação com os  pobres" para a campanha eleitoral. Não esqueceu que é incumbência do Estado definir uma eventual Estratégia Nacional para a Erradicação da Pobreza e procura incutir a ideia antes ainda das eleições de 4 de Outubro.

O diagnóstico está feito. “Nós sabemos quem são os pobres em Portugal”, disse Bruto da Costa. “Nós sabemos por que são pobres – desempregados porque não têm subsídio de desemprego ou esse subsídio é insuficiente; empregados pelo valor insuficiente do salário ou porque trabalham por conta própria e não ganham o suficiente; reformados por o valor da reforma ser demasiado baixo; ‘inactivos’ com actividades não reconhecidas pela economia, como domésticas. Se as coisas são tão claras, por que não se resolvem?” O problema, defendeu, “é termos procurado combater o problema sobretudo de forma pontual. Pontual e dispersa.”

O estudioso convidou pessoas, grupos, instituições a “aderirem a um compromisso para uma estratégia nacional de combate à pobreza”, que dê consistência a “uma acção que vise não apenas reduzir o sofrimento do pobre, o que é certamente necessário, mas também ajudá-lo a libertar-se da pobreza.” Isto “no pressuposto de que a pobreza configura uma negação de direitos fundamentais”.

Era um recado. O grupo de trabalho não tem poupado críticas ao Governo, que acusa de estar a transformar o Estado Social num "Estado de protecção minimalista, supletivo da protecção privada”. “A abordagem dos problemas de pobreza e exclusão social em Portugal está a ser fortemente marcada por uma ideologia ligada ao assistencialismo e a medidas de emergência social”, lê-se no último número da Revista de Política Social, editada pela EAPN com o apoio do Ministério da Segurança Social.

“É preciso resolver os problemas de privação através de medidas de assistência assente em direitos humanos, mas combater também as causas da pobreza”, enfatizou o professor. “Um indicador da eficácia desse combate será o carácter temporário das medidas assistenciais. Quanto mais tempo as pessoas precisarem de cantinas sociais e bancos alimentares, menos se está a atingir as causas da pobreza.”

O grupo delineou todo um roteiro para uma Estratégia Nacional para a Erradicação da Pobreza assente nos valores de justiça social, igualdade, solidariedade, proximidade, bem comum. Primeiro passo: constituir um grupo ad hoc na Assembleia da República destinado a criar a estratégia. Segundo: gerar um acordo parlamentar de princípios sobre o que isso pode ser. Terceiro: fazer uma lei que enquadre tudo isso. Quarto: definir a dita estratégia e passar a pasta ao Conselho de Ministros.

Convidado a comentar tudo aquilo, o cientista Sobrinho Simões confessou-se espantado com o diagnóstico. Recomendou a leitura vivamente. “Aprendi muito.” Aprendeu, por exemplo, que a pobreza é um processo complexo, como o cancro.  "Não é cármico", vincou o outro comentador, frei Fernando Ventura.

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