Pouco aclamado pela crítica de cinema dos nossos principais jornais, foi com curiosidade que fui ver o filme que dá o título a esta crónica. Comecei por folhear o livro: numa bela edição da Editorial Presença, observei com atenção o romance do americano Reif Larsen, um jovem professor da Universidade de Columbia que teve assinalável êxito com As obras-primas de T.S. Spivet, onde se baseou o realizador do filme. O romance conta a vida de um rapaz de 12 anos (10 no filme) que tenta resolver os enigmas da vida através de uma cartografia genial, organizada por temas nas paredes de sua casa. Um dia, um dos seus trabalhos recebe um prémio científico de prestígio e T. S. Spivet, sem revelar a sua verdadeira idade, atravessa os EUA para o receber.
O filme, de Jean-Pierre Jeunet, com o promissor Kyle Catlett no papel do protagonista, descreve a vida do jovem, desde o seu rancho de Montana até Washington, numa viagem acidentada onde surgem diversas situações imprevistas. O que entusiasma na obra cinematográfica é o carácter de iniciação a que o filme nos conduz, fazendo-nos recuar até às fantasias da nossa adolescência. Quem, enquanto jovem, não desejou fazer uma longa viagem para uma cidade distante, às escondidas dos pais, disposto a enfrentar perigos imprevistos ou a viver situações inimagináveis? Quem não desejou fazer coisas de adulto, à partida impossíveis, mas onde a imaginação juvenil, a persistência e alguma sorte tornaram realizáveis?
T. S. Spivet tem uma família estranha. O pai, distante, é um vaqueiro mais ou menos falhado que recria um cenário de filme de Oeste a cada dia que passa; a mãe torna-se uma colecionadora compulsiva de insectos, que classifica sem cessar em dezenas de tabuleiros; a irmã, mais velha, protesta todos os dias contra o isolamento onde vive e ambiciona representar Montana no concurso de Miss EUA. O mais importante para T.S. Spivet é, no entanto, o irmão, que morre num celeiro durante experiências com uma arma de fogo, em circunstâncias nunca bem esclarecidas: a culpa deste trágico episódio acompanha o nosso protagonista em toda a viagem e repercute-se no momento da entrega do prémio.
Numa outra perspectiva, o filme coloca a questão do nosso relacionamento com os sobredotados. São sempre seres estranhos, afastados da nossa imagem prévia de uma determinada idade, por esse motivo temos dificuldade em os aceitar na sua dimensão humana. T.S. Spivet é um cientista genial, mas não deixa de ser um pré-adolescente: ao lado das cartografias, vemos os tesouros da sua infância, afinal os segredos que explicam a nossa vida de adultos. Do ponto de vista dos mais velhos é curioso, neste filme, observar como vários adultos interagem com Spivet, desde a estranheza do pai e da mãe ao aproveitamento de que é alvo por parte das pessoas ligadas ao prémio. Também não falta a televisão, com a habitual pressão das audiências, a tentar aproveitar-se do drama que a morte de um membro da família sempre provoca em todos, sobretudo em Spivet, que o viveu bem de perto.
Para os jovens de hoje, os quatro componentes da aventura, descritos no livro de Reif Larsen, serão bem diferentes: “facas e pistolas, uma lupa, um mapa e calças de aventura” não serão o ponto de partida. Imersos nas aventuras eletrónicas, esquecem o campo, os comboios e as cartografias, oxalá não percam de vez a imaginação.
Spivet, o menino-prodígio, não é um filme brilhante, mas merece ser visto nesta altura do ano, em que as aulas das nossas crianças tardam a começar e o Verão ainda não acabou.