Um estudo coordenado por Rui Gomes da Universidade de Coimbra, no qual participei como investigador, no âmbito de uma equipa pluridisciplinar de sociólogos e economistas, de diversas universidades portuguesas (Porto, Coimbra, Lisboa) resolve algumas das hesitações que ainda se colocam no debate público sobre a emigração qualificada, vulgarmente apelidada de “fuga de cérebros” (expressão que me desagrada por pressupor que os emigrantes menos qualificados não têm “cérebro” — fica registada a autocrítica…)
O estudo administrou um inquérito por questionário on-line a uma amostra, intencional e não aleatória, composta por 1011 portugueses detentores de um diploma do ensino superior (ou que desempenhassem ou tivessem desempenhado funções profissionais compatíveis com essa habilitação) que estivessem a trabalhar ou a residir noutro país europeu, ou que o houvessem feito nos seis anos anteriores. De igual modo, realizaram-se dezenas de entrevistas biográficas, que sairão no livro “Fuga de cérebros. Retratos da emigração qualificada portuguesa”, editado pela Bertrand.
Vejamos alguns resultados, que constituem dados muito objetivos para o debate público:
1. A emigração qualificada tem aumentado significativamente ao longo da última década, registando uma taxa de crescimento de 87,5% entre 2001 e 2011 (ainda que, no total da emigração, predominem os menos qualificados: apenas 11% de todos os emigrantes possuem um diploma do ensino superior).
2. A crise é o grande detonador: cerca de 4/5 dos indivíduos que compõem a amostra deste estudo saíram do país após 2008, ano em que o número de emigrantes ultrapassou os 20.000, contra perto de 8.000 em 2007.
3. Os emigrantes qualificados são maioritariamente jovens (89,6% dos inquiridos) e detentores de cursos pós-graduados (74,5%).
4. Cerca de um terço da amostra é composta por pessoas com formação em ciências, matemáticas e informática, seguindo-se a área das ciências sociais, comércio e direito e a das engenharias, indústria transformadora e construção, ambas com valores que rondam os 19,5%.
5. A emigração qualificada transfere trabalhadores para os países centrais: Reino unido, Alemanha, França…
6. Estes fluxos têm efeitos claros no emprego: se 36,1% dos indivíduos estavam desempregados em Portugal, apenas 3,8% se encontram nessa condição no país de destino.
7. Os rendimentos aumentam significativamente: mais de 70% dos inquiridos recebiam, em Portugal, um salário inferior a 1000 euros, enquanto mais de metade dos indivíduos aufere de um montante superior a 2000 euros no país de destino.
8. Prosseguir uma carreira em que se sintam realizados profissionalmente surge para 95,4% dos inquiridos como a razão principal que os leva a emigrar.
9. A maioria dos inquiridos projeta-se numa emigração para “toda a vida” no atual país de residência ou em outros países europeus (61,7% e 68,9% respetivamente).
10. De acordo com o modelo seguido pela equipa, o custo desta fuga cifra-se para Portugal em 10.312.500.000 de euros. Mais de dez milhares de milhões de euros.
Em suma: além do serviço da dívida, que é brutal, a transferência de recursos entre Portugal e o centro da Europa depaupera enormemente o país.