A Nova Disrupção - Como é que a revolução da informação irá alterar a sua vida?
Com 83 anos, Charles Handy é presença habitual na lista dos mais influentes pensadores da gestão. No seu mais recente livro, Segunda Curva, nas livrarias no final da semana, diz que os dados sempre partilhados levam a uma visão superficial do mundo.
Em 2011, Thomas Frey, um futurista, fez uma tentativa, elaborando uma lista de empregos do futuro que não existem hoje em dia. Entre eles, contavam-se gestores de dados de resíduos, responsáveis pela organização dos nossos armazéns de dados, agricultores urbanos, criadores de avatares, gestores de privacidade, especialistas em nanomedicina e agentes de órgãos, contratados para encontrar, em todo o mundo, órgãos para transplante. No total, Frey catalogou cinquenta e cinco potenciais novos empregos que poderão surgir nos próximos trinta anos. Alguns deles, como banqueiros de divisas alternativas, já se encontram por aí; seguir-se-lhes-ão outros mesmo que não correspondam precisamente às previsões de Frey. Vale a pena salientar, porém, que a maioria, se não a totalidade, das funções futuras listadas por Frey poderá ser desempenhada por indivíduos isolados. Não precisam de grandes empresas para prestarem os seus serviços, embora possam trabalhar para elas ou ao lado delas.
Não é apenas com os novos empregos que deveríamos preocupar-nos. O modo como organizaremos o nosso trabalho e as nossas vidas está a mudar em consequência daquilo a que Luciano Floridi, que tem o título intrigante de professor de Filosofia e Ética da Informação na Universidade de Oxford, chama a infoesfera e outros chamam revolução da informação. Esta é a principal nova curva da sociedade de cujas implicações plenas estamos a aperceber-nos lentamente.
Não temos outro remédio que não seja embarcar nessa nova curva, confiantes, contudo, de que, no final, nos adaptaremos e sobreviveremos como sempre fizemos. (...) Encontramo-nos a nadar num mar de informações com possibilidades quase infinitas de comunicarmos com quem quer que queiramos ou, já que se fala nisso, por vezes não queiramos. Todo o conhecimento registado está ali à mão de semear, inclusive muitas coisas que se destinavam a estar ao abrigo de olhos indiscretos. Qualquer um pode potencialmente saber tudo, estar em contacto com toda a gente. O Google e a Wikipédia são os primeiros portos de escala para qualquer pergunta nova. O Twitter liga-me com os meus amigos mais sabedores. Não tenho desculpa para a ignorância. E os outros também não. Todos podem saber o que eu sei e, amiúde, até o que penso. A única coisa que falta é o tempo.
O novo futuro é, simultaneamente, emocionante e assustador. Assustador porque, quando a informação está aberta a todos, redistribui o seu poder, trocando as hierarquias por redes, levando a política para além dos políticos e transformando os empregados em agentes livres. É emocionante porque abre mais ligações, esbate as fronteiras, incentiva a exploração e a iniciativa. A informação costumava ser a fonte do poder nas organizações quando era racionada e se escondia atrás da cortina, estando acessível apenas aos que tinham autorização para tal, mas quando toda a informação é potencialmente aberta, quando não há segredos, o poder e a autoridade evaporam-se. Isso provoca o caos nas estruturas organizativas e também nas relações, quando nenhum segredo está a salvo.
Em última instância, talvez seja melhor assim. Os segredos abertos podem aumentar a confiança. Lembro-me de uma experiência, numa organização, em que pediram a todos que fizessem uma estimativa dos salários dos seus colegas. Em todos os casos, cada um pensou que os outros ganhavam mais do que efectivamente recebiam. Então, decidiram tornar públicos todos os salários para pôr termo a quaisquer possíveis ressentimentos. (...).
A transparência nem sempre é tão perigosa como parece.
Por outro lado, a liberdade que a infoesfera nos proporciona pode ser confusa e constituir um desafio. Quando leio uma mensagem de correio eletrónico ou de Twitter, se não conhecer quem a escreveu, não posso saber onde se encontra ou inclusive se é ele e não ela ou eles. O anonimato é o escudo do patife mas também a arma do aventureiro. Agora, podemos ser quem queremos, dirigir-nos a quem desejarmos, explorarmos onde quisermos. Existem perigos que nos espreitam por aí se experimentarmos demasiado livremente ou partilharmos demasiado amplamente os nossos mundos privados. Não é de admirar que o título de funções do professor Floridi inclua o estudo da ética da informação porque, no mundo gratuito para todos em que estamos a entrar, o certo e o errado precisam de ser redefinidos. A autorresponsabilidade torna-se mais importante quando a autoridade perdeu o seu poder. Quando não existe ninguém que nos diga o que fazer, o porquê e o como das nossas vidas estão mais do que nunca à disposição de todos, um aspeto que irei explorar no ensaio final deste livro.
Como acontece com todas essas revoluções sociais é mais fácil compreendê-las e aos seus efeitos quando olhamos para trás do que quando as estamos a viver. A Revolução Industrial do século XIX só recebeu esse nome muito depois de tudo estar implementado.
O que é certo é que a disrupção social que então se seguiu às novas tecnologias será replicada, quase de certeza, agora. As antigas estruturas de poder são despromovidas. Surgem novas, mas levam tempo a assumir as suas responsabilidades. A produtividade cai durante algum tempo enquanto nos adaptamos à nova tecnologia e às novas áreas e tipos de trabalho, um fenómeno conhecido como «efeito de Solow», devido ao economista Robert Solow que foi o primeiro a aperceber-se deste fenómeno. Todos estes sinais já estão a aparecer na maior parte das sociedades desenvolvidas.
O trabalho está a ser redistribuído por unidades menores que são menos produtivas inicialmente e irá levar tempo até se ajustarem e crescerem.
O que parece certo é que é improvável que as velhas soluções ainda funcionem. A maior parte das estruturas antigas das organizações terão deixado de ter razão de ser.
As disrupções sociais, como mostra a lista de novos empregos elaborada por Frey, trazem novas oportunidades e também novos problemas. No entanto, o que também é verdade é que, tal como naquela revolução anterior, essas novas oportunidades não tentarão provavelmente aqueles que estão empregados hoje em dia nas estruturas intermédias em desaparecimento da antiga ordem. Os novos empregos irão para pessoas novas, para os jovens que, espera-se, crescerão com as novas aptidões que são necessárias. Entretanto, o grosso dos antigos empregos que serão deixados para a mão de obra atual encontrar-se-á em áreas onde a nova tecnologia pode ajudar mas não assumir o controlo. Trata-se de empregos onde a criatividade é fundamental ou onde é necessária uma atenção pessoal, em enfermagem, cuidados de saúde, serviço social e cuidados de idosos, mas também nas artes de palco, turismo e entretenimento à medida que um número cada vez maior de idosos entra na fase de lazer das suas vidas. Estima-se que haverá uma necessidade de 2,7 milhões de empregos suplementares na proteção social, na Grã-Bretanha, até 2020. Uma notícia encorajante é que, neste momento, há uma oferta de 72 000 estágios profissionais nesse sector, na sua maioria já ocupados. Em muitos casos, isso implicará a criação de uma Segunda Curva para cada profissão, com todas as dificuldades e resistência que provocará.
Também continuará a haver empregos em arquitectura e gestão, em publicidade e marketing, ensino e orientação, assessoria e arbitragem, e em actividades como o ioga e a meditação, artesanato e design.
Continuará a haver lojas, agentes imobiliários e agências de viagens e outros estabelecimentos nos nossos centros comerciais uma vez que os que vendem na Internet compreendem que, amiúde, precisam de um estabelecimento físico para complementar os seus websites.
As pessoas gostam de provar a roupa antes de a comprar, ver que aspeto tem na realidade a máquina de lavar loiça, conhecer pessoalmente o seu agente de viagens, mesmo que a venda final seja realizada na Web. Os automóveis continuarão a ser fabricados, os poços de petróleo a ser perfurados, as culturas a ser semeadas e colhidas, os remédios a ser fabricados e embalados, mas em todos esses casos a componente informação será aquele diminuto pormenor que torna tudo diferente. Também aqui, as competências no domínio das relações e da gestão, bem como as técnicas, irão ser necessárias, com computadores e robôs a fazerem a maior parte do trabalho de rotina e de levantamento de cargas. Será um trabalho para cérebros e dedos e não para músculos.
Mais preocupante, para alguns, é a possibilidade de a infoesfera vir a realizar muitas escolhas e tomar muitas decisões por nós, sem que sejamos consultados ou saibamos sequer, de o computador vir a ser o nosso amo e não o nosso escravo. A computação quântica, quando começar a funcionar, irá retirar muitas tarefas das mãos dos seres humanos, manipulando grandes conjuntos de dados a alta velocidade para nos dizerem quais as formas mais rápidas, mais curtas ou mais baratas de analisarmos o que está a acontecer nos nossos corpos, para gerirmos os sistemas de trânsito e distribuição em tempo real ou para ajudarem os carros a conduzirem-se a si próprios. Cada vez haverá mais partes da nossa vida que serão geridas invisivelmente por algoritmos, fórmulas matemáticas que não sabemos que existem. Computadores invisíveis já estão a detetar tendências e gostos nas nossas vidas de que não temos consciência, a saber mais sobre nós do que nós mesmos sabemos, a decidir os nossos cabazes de compras, os nossos novos guarda-roupas e até os nossos parceiros preferidos. Poderemos sempre ignorar as suas escolhas mas é extraordinariamente fácil aceitarmos a escolha que nos é proposta pela Amazon, quando estamos com pressa. Mais que não seja, a inércia será a amiga do computador.
E, então, as coisas tornam-se mais sinistras. Os cabos subterrâneos de fibra ótica podem ser utilizados para detetar o mais ligeiro movimento num raio de três metros. Sem que o saibamos, os nossos movimentos podem ser seguidos tanto por câmaras como por esses cabos invisíveis. Os nossos telemóveis são, na realidade, computadores de alta potência que trazemos no bolso, registando tudo o que dizemos ou escrevemos, a quem o enviamos e donde. As leis podem tentar proteger a nossa privacidade mas também podem permitir a invasão sem o nosso conhecimento. Será que isto significa que as novas liberdades que nos foram dadas pelas novas tecnologias foram compensadas pela perda do controlo sobre grande parte da nossa vida? Ainda poderá haver segredos? A sociedade algorítmica já chegou?
Renunciamos conscientemente a algumas dessas liberdades, felizes por vivermos num mundo de débitos diretos em que o nosso dinheiro é sugado das nossas contas sem que nos apercebamos disso, a não ser que estejamos vigilantes.(...).
Todas as Segundas Curvas têm a sua própria curva de aprendizagem, até nos descobrirmos finalmente a viver com as suas consequências.
A disseminação das redes sociais enriqueceu muitas relações. Há trinta anos, quando os nossos filhos adolescentes iam correr mundo perdíamos o contacto durante semanas. E talvez fosse melhor, quando os ouvíamos contar as suas aventuras assustadoras, após o regresso. Agora podem estar em contacto constante, mesmo no meio de selvas distantes.
Mas existem desvantagens e lados sombrios em tudo isto. As redes sociais criam aquilo a que alguns chamaram um narcisismo insatisfeito enquanto procuramos, incessantemente, uma perfeição fugidia, como se usássemos todas as nossas roupas ao mesmo tempo. As redes sociais não conhecem deferência e não trazem consigo qualquer sentimento de responsabilidade, qualquer consciência do seu impacto em terceiros. O que está a acontecer neste preciso momento torna-se dominante, falseando as nossas prioridades, esquecendo o impacto a longo prazo.
Um mundo de mensagens instantâneas e visões múltiplas simultâneas, de dados sempre acessíveis mas sem análise, pode, se não tivermos cuidado, levar a uma abordagem superficial e egocêntrica do mundo, a um mundo de Twitter onde ninguém tem concentração nem tempo para absorver mais do que um parágrafo. (…)
(...) Mais insidiosa, por dar menos nas vistas, é a conquista gradual do tráfego na Internet pelas grandes empresas multinacionais. Enquanto inicialmente havia centenas de empresas que geravam conteúdos para transmissão, parece que, atualmente, trinta empresas controlam mais de metade do tráfego da Internet nos EUA, e que o seu número se vai reduzindo com o tempo. Uma vez mais, os elefantes esmagaram as pulgas. Isso não nos impede de usar a Web para os nossos próprios fins, é claro, mas poderemos sentir-nos cada vez mais seduzidos pelo fluxo de «infodivertimento» que nos chega dessas trinta empresas.
Em vez de se tratar de uma força de inovação, como esperámos, poderemos cada vez mais relaxar e deleitarmo-nos com o Netflix, o YouTube, o Google, o Facebook e o Twitter e tudo o que eles e os seus sucessores nos venham a oferecer. A Internet ter-nos-á tornado viciados em televisão em vez de empresários. Essa é a Segunda Curva que não queremos seguir.
(...) A infoesfera é uma Segunda Curva que não criámos e não planeámos, mas cujas consequências não podemos evitar. As Segundas Curvas não se limitam a alterar produtos e processos, alteram relações, organizações e políticas. O que parece garantido é que o mundo onde os nossos netos irão trabalhar terá organizações e opções de vida muito diferentes daquelas que conheci. Se serão melhores ou mais simpáticas é outra questão.
Excerto de A Segunda Curva – Pensamentos para Reinventar a Sociedade, Charles Handy. Editora Temas e Debates, Círculos de Leitores