Home Less

A paisagem portuguesa mudou com a crise económica e o desaire no sector da construção civil. Nelson Garrido observa como ficaram suspensas as promessas de futuro em forma de casa.

A crise deixou prédios por acabar ou a aguardar compradores, em novas áreas de construção, mas também em zonas já urbanizadas, como neste bairro de Gaia
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A crise deixou prédios por acabar ou a aguardar compradores, em novas áreas de construção, mas também em zonas já urbanizadas, como neste bairro de Gaia

Era uma vez um país dominado pela construção civil. As pessoas queriam casas — não as velhas, a cair, que povoavam os centros históricos das cidades, mas habitações novas, com aquecimento central, lareiras e armários embutidos. E a construção deu-lhes o que queriam. E deu mais e mais. Chegou-se a um ponto em que já não se sabia se as pessoas continuavam a querer, assim, tantas casas novas. Mas a construção não parou. Depois, chegou a crise. Essa crise medonha, feita lobo mau nas páginas dos jornais e carrasco indomável na vida de tanta gente. E as casas que eram ainda promessas de um futuro não chegaram a cumprir-se. Home Less, foi assim que o fotojornalista Nelson Garrido baptizou o conjunto de imagens que captou pelo país, em 2013-14. Duas palavras em inglês que apontam para algo que não chegou a ser (a tradução em português seria Menos Casas), ao mesmo tempo que brinca com o termo “sem-abrigo” (homeless), na mesma língua. As casas que não chegaram a ser casas — porque ficaram por concluir, porque, apesar de prontas, não havia quem as pudesse comprar — passaram a fazer parte da paisagem de um país em crise. De um país onde as pessoas queriam casas novas e onde tantas pessoas continuam ainda à espera de uma casa, qualquer casa, desde que tenha o mínimo de condições e um preço exequível. De um país onde aquelas que são, para muitos, a sua segunda casa — o seu local de emprego — também se esvaziaram de gente, incapazes de continuar. A luz estrategicamente colocada no interior de cada um destes espaços ao abandono é uma memória do que poderia ter sido. A lembrança de que, lá dentro, podia haver gente. Para que as casas fossem, verdadeiramente, casas e não apenas promessas de vidas por cumprir. Patrícia Carvalho     

Sem intervenção humana, a natureza retoma o seu curso, invadindo caminhos 
e crescendo descontrolada junto a estas casas vazias de Valongo
Sem intervenção humana, a natureza retoma o seu curso, invadindo caminhos e crescendo descontrolada junto a estas casas vazias de Valongo
A luz no interior de mais uma casa vazia  cria a ilusão de que alguém a habita, num diálogo inexistente com o rasto de um avião que atravessou 
o céu
A luz no interior de mais uma casa vazia cria a ilusão de que alguém a habita, num diálogo inexistente com o rasto de um avião que atravessou o céu
Em Valongo, o crescimento foi uma constante no início do século XXI e  muitos prédios foram abandonados, antes mesmo de concluídos
Em Valongo, o crescimento foi uma constante no início do século XXI e muitos prédios foram abandonados, antes mesmo de concluídos
Em Albufeira, um novo empreendimento, capaz de atrair a atenção do sempre  omnipresente negócio turístico, acabou por ficar inacabado
Em Albufeira, um novo empreendimento, capaz de atrair a atenção do sempre omnipresente negócio turístico, acabou por ficar inacabado
Em Francelos, zona de praia de Vila Nova de Gaia (em cima), casas prontas para venda degradam-se, sem comprador
Em Francelos, zona de praia de Vila Nova de Gaia (em cima), casas prontas para venda degradam-se, sem comprador
À espera de melhores dias, um prédio de habitação, em Vila Nova de Gaia, permanece semiconstruído, com o futuro pendurado
À espera de melhores dias, um prédio de habitação, em Vila Nova de Gaia, permanece semiconstruído, com o futuro pendurado
A crise deixou prédios por acabar ou a aguardar compradores, em novas áreas de construção, mas também em zonas já urbanizadas, como neste bairro de Gaia
A crise deixou prédios por acabar ou a aguardar compradores, em novas áreas de construção, mas também em zonas já urbanizadas, como neste bairro de Gaia