Identificado um novo prião associado a uma doença neurodegenerativa humana
A alfa-sinucleína é uma proteína que, tal como os priões da doença de Creutzfeldt-Jakob, tem uma forma infecciosa e foi agora relacionada com a atrofia multi-sistémica, uma doença neurodegenerativa rara que afecta pessoas com mais de 50 anos.
Os priões são proteínas com mais do que uma forma, em que uma delas se torna uma doença. No caso da doença de Creutzfeldt-Jakob ou na variante desta encefalopatia espongiforme associada à doença das vacas loucas – um caso de saúde pública preocupante durante a década de 1990 –, a molécula em causa chama-se proteína do prião (PrP).
Em geral, as pessoas produzem uma versão saudável da proteína do prião a partir das instruções de um gene. Mas esta proteína pode ter uma outra conformação que é infecciosa, e transforma os priões saudáveis em novos priões deformados, que têm capacidade de fazer o mesmo a outros priões saudáveis. Este contágio acaba por levar à neurodegeneração. O cérebro vai acumulando os priões em células nervosas, que por causa disso morrem, e fica com um aspecto esponjoso – daí o nome encefalopatia espongiforme. Ainda pior, os priões podem ser transmitidos de pessoa para pessoa, ou de animais para pessoas, quando se ingerem produtos contaminados com priões. Como aconteceu com o consumo de produtos de vaca com priões, infectando pessoas com a nova variante da Creutzfeldt-Jakob.
A proteína do prião que provoca a Creutzfeldt-Jakob é ainda responsável por outras doenças neurodegenerativas, como a síndrome de insónia familiar fatal, uma doença raríssima causada por uma mutação no gene da proteína do prião que impede as pessoas de dormirem e elas acabam por morrer.
Só em 1982 é que o neurologista e bioquímico Stanley Prusiner propôs a existência da proteína do prião, o que lhe valeu em 1997 o Prémio Nobel da Medicina. Desde então, nunca mais se tinha descoberto um prião associado a uma doença humana. Até agora. A equipa de Stanley Prusiner, do Instituto das Doenças Neurodegenerativas (IDN), da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos, apresenta no artigo da PNAS argumentos fortes de que a alfa-sinucleína também tem um comportamento de prião e tem um papel central no desenvolvimento da AMS.
Os doentes de AMS têm problemas de movimento e balanço, não controlam a bexiga e ficam com a pressão sanguínea desregulada. A sua esperança média de vida é de cinco a dez anos – metade da da Parkinson – e os doentes não respondem a medicamentos nem a outros tratamentos usados nos casos da Parkinson.
Uma das características das duas doenças é a acumulação de placas da proteína alfa-sinucleína nas células do cérebro. Esta proteína está envolvida na sinalização entre células nervosas.
As duas doenças surgem esporadicamente. Algumas vezes, a doença de Parkinson está associada a uma mutação do gene da proteína alfa-sinucleína. Nos últimos anos, tem-se questionado se esta proteína poderia ser um prião, e se estas doenças seguiam um percurso igual às encefalopatias espongiformes.
Para testar esta hipótese, a equipa de Stanley Prusiner foi ver se o tecido cerebral de pessoas que tinham morrido com a AMS e com Parkinson conseguia causar neurodegeneração em ratinhos. Ou seja, se era infeccioso. Os investigadores usaram ratinhos transgénicos com o gene humano da proteína alfa-sinucleína com a mutação já observada nos doentes de Parkinson.
Os ratinhos expostos a tecido cerebral de doentes de Parkinson não desenvolveram nenhum problema neurodegenerativo. Mas os ratinhos expostos a material do cérebro de 14 pessoas que tinham morrido de AMS acabaram por sofrer de neurodegeneração, acumulando placas da proteína alfa-sinucleína.
“Mostrámos, de forma conclusiva, que um novo tipo de prião causa a AMS”, diz Kurt Giles, outro investigador envolvido no estudo, num comunicado do IDN, onde trabalha. “Acreditamos que a estrutura das placas de alfa-sinucleína na Parkinson é diferente da da AMS. É provável que a doença de Parkinson seja também uma doença de priões, mas ainda não conseguimos demonstrá-lo”, comenta Kurt Giles ao PÚBLICO.
Mas os resultados obrigam a novos cuidados de saúde pública, já que os priões são difíceis de destruir. A equipa recomenda que o material cirúrgico usado em tratamentos da Parkinson — que envolvam o contacto com tecido cerebral — seja descartado. Isto porque alguns desses doentes podem ter AMS, mas foram erradamente diagnosticados com Parkinson, e a esterilização dos equipamentos poderá não chegar para destruir os priões. “O risco de transmissão é muito baixo”, diz Kurt Giles. “Estamos somente a propor um procedimento preventivo.”