Lei da autonomia do Leste da Ucrânia manchada de sangue

Um polícia foi morto e mais de cem ficaram feridos em confrontos com manifestantes ultranacionalistas. Horas antes, Parlamento aprovou concessão de autonomia aos territórios ocupados pelas forças separatistas.

Manifestação foi convocada por movimentos nacionalistas
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Manifestação foi convocada por movimentos nacionalistas Valentyn Ogirenko / Reuters
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Entre a multidão viam-se bandeiras com símbolos do partido nacionalista Svoboda Valentyn Ogirenko / Reuters
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Sergei Supinsku / AFP
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Um grupo de manifestantes, empunhando bandeiras ucranianas e símbolos do partido nacionalista Svoboda, concentrou-se à entrada do edifício da Rada Suprema (Parlamento ucraniano). Num primeiro momento, polícia e manifestantes lançaram entre si granadas de fumo e gás lacrimogénio. Uma explosão mais violenta, com origem numa granada, segundo alguns meios de comunicação, fez cerca de 120 feridos entre as forças de segurança, revelou ao fim do dia o Presidente ucraniano, Petro Poroshenko, numa comunicação ao país. Vários jornalistas foram também atingidos e a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) pediu de imediato a abertura de uma investigação.

 

 

 


Um agente que pertencia à Guarda Nacional não resistiu aos ferimentos e acabou por morrer, como confirmou a uma televisão local o presidente da autarquia de Kiev, Vitali Klitschko. Foram detidos pelo menos 30 manifestantes, identificados pelo ministro do Interior, Arseni Avakov, como simpatizantes do Svoboda — o líder, Oleg Tiagnibok, foi fotografado entre os manifestantes. O ministro dirigiu palavras duras para o partido nacionalista, comparando-o mesmo com os militantes pró-russos que o Governo apelida de “terroristas”: “Quão diferente é o Svoboda das bestas que disparam contra a nossa guarda nacional na frente de combate?”.

Numa declaração ao país, Poroshenko classificou o ataque ao Parlamento como uma "acção anti-ucraniana". "Eles tentaram invadir o Parlamento. Eles atiraram uma granada. Eles atingiram um agente da Guarda Nacional no seu coração e mataram-no." A chefe da diplomacia europeia, Federica Mogherini, saudou a aprovação da reforma constitucional, mas manifestou preocupação com os confrontos em Kiev. “Este processo não deve ser posto em causa pela violência”, afirmou.


Ameaça nacionalista

Horas antes, os deputados aprovavam o primeiro diploma referente à reforma constitucional que consagra a entrega de mais autonomia aos territórios do Leste do país, actualmente controlados pelos grupos separatistas pró-Moscovo. A discussão no hemiciclo já fazia adivinhar a tensão que se iria materializar mais tarde no exterior. 

Vários deputados que se opõem à emenda tentaram impedir o acesso à tribuna parlamentar, enquanto lançavam gritos de “Vergonha”. Entre as bancadas mais nacionalistas da Rada Suprema considera-se a devolução de mais poderes às regiões rebeldes como uma concessão perante Moscovo, apesar de este ser um dos pilares do Acordo de Minsk — o documento assinado em Fevereiro que tem o objectivo de acabar com o conflito de 16 meses que já fez mais de 6800 mortos, e que ainda se encontra activo.

A reforma acabou por ser aprovada com o voto favorável de 265 deputados — pouco acima do mínimo de 226 exigidos para fazer passar o documento — mas a sessão permitiu descortinar várias divisões no seio dos partidos que apoiam o actual Governo pró-ocidental. Valeu ao primeiro-ministro, Arseni Iatseniuk, o apoio dos pouco deputados próximos do ex-Presidente, Viktor Ianukovich, que ainda se mantêm no Parlamento.

Para que o processo de integração da reforma no texto constitucional esteja completo é necessária uma maioria de 300 deputados, entre 450 — algo que vários analistas consideram de difícil concretização. Poroshenko garantiu que "apesar dos eventos de hoje no Parlamento, a actual coligação vai continuar a funcionar (...). Outras opções não são sequer consideradas".

A reforma constitucional tem estado sob fogo tanto em Kiev como nos territórios separatistas, embora por razões diametralmente opostas. Entre as franjas nacionalistas, entende-se que a concessão de mais autonomia às regiões ocupadas significa reconhecer a autoridade dos rebeldes e consagrar com força legislativa a possibilidade de Moscovo continuar a exercer influência nesses territórios. A discussão do dossier da descentralização tem sido um dos pontos em que a pressão dos parceiros ocidentais da Ucrânia mais se tem feito sentir, que reconhecem ser uma condição imprescindível para que o Acordo de Minsk seja implementado. Do lado rebelde, a reforma fica aquém do objectivo realmente desejado — um estatuto especial que seria equivalente a uma independência de facto. Mas também Moscovo tem exercido a sua influência sobre os dirigentes separatistas para que aceitem as disposições propostas.

O ataque ao Parlamento vem também reacender os receios de que as franjas ultranacionalistas tenham atingido o cúmulo do descontentamento com Poroshenko e com o Governo. Grupos como o Sector Direito — uma amálgama de formações paramilitares nacionalistas que assumiu a linha da frente durante os protestos na Praça da Independência e que entretanto se tornou um partido político — têm instado directamente as autoridades ucranianas a retomarem as ofensivas para recuperarem as regiões separatistas. Em Julho, o seu líder, Dmitro Iarosh, disse estar prestes a iniciar uma “nova fase na revolução ucraniana” e criticou a gestão de Poroshenko e de Iatseniuk, que considera demasiado passiva.

Mais do que um potencial apoio entre a população ucraniana — o Sector Direito teve uma votação muito reduzida nas eleições legislativas do ano passado — a importância estratégica das facções nacionalistas, e fonte de muita preocupação, reside no peso que têm entre os “batalhões” que combatem no Leste.

O primeiro-ministro também não poupou os elementos extremistas por trás do ataque desta segunda-feira: “O cinismo deste crime é que, enquanto a Rússia e os seus bandidos estão a tentar destruir o Estado ucraniano na frente e no Leste, estas autodenominadas forças políticas pró-ucranianas estão a tentar abrir uma segunda frente no centro do país.”

 

 

   

 
 

 

 

   

 

   





 

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