Arrancou a reforma constitucional ucraniana que não agrada a ninguém
Deputados deram luz verde ao início do processo de revisão que pretende conferir mais autonomia aos territórios ocupados. A reforma é, porém, criticada em Kiev e no Donbass.
A reforma constitucional proposta pelo Presidente, Petro Poroshenko, aos deputados seguiu-se a uma intensa pressão por parte dos aliados ocidentais de Kiev, que pretendem ver esforços da parte ucraniana para que a solução política do conflito seja alcançada. A presença nas galerias do hemiciclo da secretária de Estado adjunta dos EUA, Victoria Nuland, e do embaixador norte-americano, Geoffrey Pyatt, era indicadora da atenção do Ocidente em relação ao processo de reforma constitucional da Ucrânia. A devolução de poderes aos territórios com maior presença russófona é um dos pontos previstos pelo Acordo de Minsk assinado em Fevereiro e que tem o objectivo de pôr fim ao conflito que já matou mais 6500 pessoas.
Para além das presenças dos responsáveis norte-americanos na sessão parlamentar, a chanceler alemã, Angela Merkel, e o Presidente francês, François Hollande, telefonaram esta semana ao presidente do Parlamento, Volodimir Groisman – o contacto directo entre chefes de Estado com dirigentes de nível inferior é uma iniciativa pouco habitual.
Os dois líderes europeus “felicitaram o arranque da reforma constitucional assente na descentralização” e pediram que seja “tomada em linha de conta as particularidades” dos territórios actualmente controlados pelas forças rebeldes pró-russas, de acordo com uma nota da embaixada alemã em Kiev.
Porém, ainda antes de estar consagrada no texto fundamental – a proposta tem ainda de passar pelo crivo do Tribunal Constitucional e depois ainda regressa para nova votação parlamentar – a reforma já desagrada. Um grupo de deputados envolveu-se numa escaramuça, mal foram conhecidos os resultados da votação. Ao conceder um maior grau de autonomia aos territórios controlados, as facções mais nacionalistas em Kiev consideram que as autoridades estão a conferir legitimidade aos líderes separatistas.
“Somos categoricamente contra o facto de que os criminosos russos representem as pessoas que têm sequestradas”, afirmou o deputado pró-governamental Leonid Emets, citado pela AFP.
O debate quanto ao modelo de distribuição do poder na Ucrânia dura praticamente desde a independência em 1991. Actualmente, é na figura do Presidente e do Parlamento que estão concentradas as principais competências, como por exemplo a nomeação directa dos governadores regionais. A federalização é o cenário mais favorecido por Moscovo, que alega que só assim é possível proteger os direitos da minoria russa no Leste. Porém, a concessão de mais poderes para as regiões é encarada em Kiev como uma via que torna as regiões permeáveis a uma maior influência do Kremlin.
O projecto votado agora prevê a devolução de poderes aos conselhos regionais e locais, mas não concretiza uma das principais exigências dos rebeldes – a concessão definitiva do estatuto de semi-autonomia para os territórios sob seu controlo. O estatuto não vai ter qualquer lugar no texto constitucional, gozando apenas de valor de lei com uma duração de três anos.
Perante as críticas dos deputados, Poroshenko quis enfatizar isso mesmo, garantindo que a proposta “não prevê e não deve prever qualquer estatuto especial para o Donbass”. “Estou convencido que esta lei não excede o enquadramento do acordo de paz”, acrescentou.
Foi com desagrado que Vladislav Deinego, um dirigente da autoproclamada República Popular de Lugansk, recebeu a proposta que, segundo a agência estatal Sputnik (anteriormente conhecida como RIA Novosti), considerou nada ter em comum com os Acordos de Minsk.