Astronautas cultivaram alfaces no espaço e já as comeram
Sob uma luz magenta, três astronautas da Estação Espacial Internacional provaram alface-romana-vermelha, que cresceu no espaço durante mais de um mês. A experiência é importante para futuras missões humanas a Marte.
“Saúde!”, brindaram os astronautas Scott Kelly e Kjell Lindgren, da NASA, e Kimiya Yui, da Agência de Exploração Aeroespacial Japonesa, cada um com uma folha de alface na mão como se fosse um copo. De seguida, cada astronauta levou o pedaço do vegetal à boca, num momento filmado e transmitido em directo no site da NASA.
Segundo a agência espacial dos Estados Unidos, este é um passo importante para o futuro da exploração espacial. “À medida que os humanos se afastarem cada vez mais da Terra, haverá uma maior necessidade de serem capazes de cultivar plantas para se alimentarem, para reciclarem a atmosfera e para ter benefícios psicológicos. Os sistemas de crescimento de plantas vão tornar-se componentes importantes para qualquer cenário de exploração de longa distância”, disse a cientista da NASA Gioia Massa, responsável pelo transporte da câmara onde as plantas cresceram, citada num comunicado da agência espacial.
“Se algum dia formos a Marte, temos de ter uma nave auto-sustentável”, referiu por sua vez o astronauta Scott Kelly, momentos antes de iniciar a degustação da folha de alface. “Este é um grande passo nessa direcção.”
A refeição vegetariana dos três membros da tripulação da 44ª expedição da ISS aconteceu no módulo Columbus, sob um brilho intenso de cor magenta, emitido pelas lâmpadas LED do Sistema de Produção de Vegetais (ou, em inglês, Vegetable Production System). É a câmara onde, há mais de um mês, as alfaces germinaram e cresceram.
Desde da década de 1970 que as estações espaciais tiveram câmaras onde os astronautas fizeram crescer couves, nabos, soja, espinafres, cevada e outros vegetais. A primeira estação espacial de sempre, a soviética Saliut 1, lançada em 1971, levava a câmara de crescimento Oásis 1 onde se cultivaram couves, linho e alho-francês. Nestas primeiras experiências, o que estava em causa era pôr a funcionar o sistema de rega e de iluminação.
Na década de 1990, na Mir (lançada ainda pela antiga União Soviética em 1986), testou-se o efeito de microgravidade no crescimento e no desenvolvimento do trigo. E desde o início da vida da ISS, em 1998, já se fizeram várias experiências com plantas. A estação, construída em colaboração com a Agência Espacial Europeia, a Roscosmos (Rússia), a NASA, a Agência Espacial Canadiana e a Agência de Exploração Aeroespacial Japonesa, voa a 400 quilómetros de altitude, num ambiente de microgravidade. Entre 2000 e 2001, os astronautas da ISS observaram, ao longo de 73 dias de microgravidade, a germinação do trigo, o seu crescimento e a sua actividade fotossintética. Agora, o objectivo foi produzir vegetais para alimento.
Carinhosamente alcunhada de Veggie, a nova câmara construída pela empresa Orbital Technologies, em Wisconsin, nos Estados Unidos, tem 24,4 por 35,56 centímetros e pode chegar a ter 45 centímetros de altura. Um plástico transparente, que parece um acordeão, pode subir e descer.
Dentro da câmara, há três lâmpadas LED, uma de luz azul, outra vermelha e, a terceira, verde. “A emissão de luz nos comprimentos de onda azul e vermelho é o mínimo para que as plantas cresçam bem”, explicou Ray Wheeler, cientista da NASA e especialista no crescimento de plantas no espaço, num comunicado da NASA. O que origina, em conjunto, a luz magenta que se espalhava pelo módulo da ISS. “São provavelmente os comprimentos de onda mais eficientes em termos de conversão de energia eléctrica [em matéria orgânica através da fotossíntese].”
Uma recordação do verde da Terra
A Veggie foi transportada para a estação em Abril de 2014. Depois de ser instalada no módulo Columbus, começaram as experiências com a alface-romana-vermelha. Em Maio, as primeiras seis “almofadas” com substrato e nutrientes, e com as sementes dos vegetais, foram colocadas na câmara. Estas almofadas têm de ser “activadas”. “É ligada energia e a água é adicionada à matriz das raízes para iniciar a germinação das sementes”, explica a NASA.
Durante 33 dias, as alfaces cresceram. Depois, foram cortadas e enviadas para a Terra. Cá em baixo, a NASA testou se elas eram comestíveis. Ou seja, verificou, primeiro, a quantidade de microorganismos que as folhas de alface tinham e, depois, testou se um composto à base de ácido cítrico eliminava a maioria das bactérias. Os testes foram positivos. Havia bactérias, mas, depois de limpos, os vegetais podiam ser comidos. Por isso, a 8 de Julho último começou um novo ciclo de crescimento de alfaces, que terminou agora num festim com direito a algumas gotas de vinagre balsâmico italiano e azeite.
“É muito divertido ver coisas verdes a crescer na ISS”, disse por sua vez Kjell Lindgren, que passou alguns minutos a cortar e limpar as folhas da alface antes do brinde. A referência do astronauta ao divertimento de ver crescer vegetais nos módulos da ISS, normalmente brancos e monótonos, não é inocente. A jardinagem no espaço também cumpre uma função de bem-estar psicológico.
“As missões espaciais futuras poderão envolver quatro a seis tripulantes a viver no espaço confinado durante um período de tempo alargado, com comunicações limitadas”, disse Alexandra Withmire, cientista do Centro Espacial de Johnson, em Houston, da NASA, especialista em comportamento humano. “Reconhecemos que será importante dar um treino que seja eficaz aos astronautas e equipar a nave com contramedidas adequadas para missão.” As contramedidas também passam pelas plantas. Segundo a cientista, há experiências na Terra que mostram que os vegetais estão associados ao bem-estar e “são uma recordação do verde da Terra para uma tripulação que está muito distante de casa”, lê-se no site da NASA.
Além disso, há aspectos nutritivos importantes. “Há estudos que mostram que os alimentos frescos, como os tomates, os mirtilos e a alface-romana-vermelha, são boas fontes de antioxidantes”, referiu Ray Wheeler. Na ISS, os astronautas só têm oportunidade de comer alimentos frescos quando chegam cargueiros espaciais, e não podem adiar muito tempo essas refeições, porque se estragam. “Ter alimentos frescos disponíveis no espaço pode ter um impacto positivo no estado de espírito das pessoas e também dar alguma protecção contra a radiação no espaço.”
Mas, tal como outras experiências da ISS, Gioia Massa defende que muitas lições obtidas com a Veggie poderão ser úteis para situações na Terra como é o caso da agricultura urbana, feita dentro de edifícios, onde há luz eléctrica e uma preocupação com a poupança de água. “No futuro, esperamos aumentar a quantidade e o tipo de culturas, o que nos permitirá aprender mais sobre o crescimento das plantas em microgravidade”, disse a cientista. “Temos experiências que vão analisar o impacto da qualidade da luz usada no rendimento das culturas, nos nutrientes e no sabor, tanto na Terra como no espaço.”