“Não consigo fugir do meu lado étnico”, diz Yami, hoje mais pop
Yami Aloelela antecipa em formato digital um disco previsto para Setembro. Regresso, a solo, de um músico que nunca parou.
“Sou um zombie que desapareceu depois de gravar um disco em 2007. E já bati o elefante, em larga escala, em termos de gestação. Ele demora dois anos e eu demorei sete para fazer um novo disco.” Esteve para chamar-se Palavra Mágica, mas ficou Beijo de luz, por sinal o título do tema onde ele é acompanhado pela guitarra aflamencada de Pedro Jóia. Esta antecipação de quatro temas, lançados online (Leya, Beijo de luz, Xiamiê e Umbi umbi), serve sobretudo para mostrar que está vivo e não parou.
“Durante estes sete anos fui músico do Carlos do Carmo e mais tarde da Mariza, formei o produzi o grupo Muxima [que gravou, em 2010, um disco-homenagem ao Duo Ouro Negro] e vivi largos meses na Polónia, porque produzi um álbum que vendeu lá 100 mil cópias e que curiosamente tem um nome português, Sobremesa, da cantora polaca Anna Maria Jopek. Convidei uma série de amigos, como o Ivan Lins, a Sara Tavares, o Tito Paris, o Camané, o Paulo de Carvalho e todos eles vieram e gravaram duetos com ela.”
Aloelela foi o seu título de estreia, lançado em 2008 pela HM Música. Yami recorda: “O meu primeiro disco foi aquele que eu gostaria de ter feito, e fiz, embora talvez não fosse o que eu devia ter feito. Mas foi muito importante para mim, porque foi o primeiro passo. É quase todo cantado em dialecto, tem um tema em crioulo cabo-verdiano. Não alterava, ainda hoje, uma só respiração àquele disco. É maravilhoso.” Já o segundo, que agora se anuncia, é mais resultado das muitas influências que o marcaram. “Eu sou, como dizem os meus filhos, o Bob Esponja. Ao longo destes sete anos, o que mais fiz foi trabalhar com outros músicos e viajar. Viajei imenso. E em cada concerto fiz questão de convidar um músico local para tocar comigo, fosse em que país fosse. A nova versão de Xiamiê, que incluo no novo disco [em 2007 tinha sido gravada com berimbau], já é fruto disso: novos arranjos, novos músicos, a cada passo acrescento novos aditivos.”
Caldeirão e café-com-leite
Canta em português mas também em kimbundu e umbundu, apaixonado pela fonética destas línguas angolanas. "Não consigo fugir do meu lado étnico. Mesmo o meu português tem estas vogais abertas, fruto do quintal onde nasci, Luanda." E nasceu num dia histórico: "20 de Julho de 1969. No dia em que o homem chegou à Lua, cheguei eu à Terra". Mas também tem um lado pop, herdado da escola e das músicas escutadas na juventude: "O irmão, no meu quarto, ouvia Led Zeppelin, The Who, King Crimson, Carlos Santana; depois ia para a cozinha e a minha mãe estava a ouvir Elias Diá Kimuezo, Alcione; depois passava pelo escritório do meu pai e ele estava a ouvir Francisco José, Amália, Zeca Afonso. Todo este caldeirão deu nisto, deu neste café-com-leite." Descobriu-se músico aos 17 anos, aprendendo a tocar com um colega. Mais depressa do que ele.
Aos 20 anos já era músico profissional, acompanhante, e fez um curso no Hot Clube. “Desliguei-me do jazz, embora a minha escola fosse essa, para fazer a minha música.” Ê esta fê-la já com o nome com que a mãe quis baptizá-lo, mas que não foi aceite pelos funcionários do registo: Yami Araújo. Acabou por ser registado como Fernando Araújo. “Yami quer dizer, em kimbundu, meu, aquilo que vem de mim. Daí a expressão muxima yami, meu coração.” A este nome, recuperado, acrescentou o título do seu primeiro disco, Aloelela. “No estrangeiro toda a gente me chama Yami Aloelela, nunca só Yami. Além disso, Aloelela quer dizer sorriso, o que me caracteriza muito bem.”