Lembra-se da “turma de ciganos” em Tomar? A maioria dos alunos passou de ano
Alunos “registaram progresso significativo”. É o balanço oficial. Mesmo assim, mantém-se a intenção de não repetir experiência no próximo ano.
Os dados foram avançados pelo Ministério da Educação e Ciência, em resposta ao PÚBLICO. “A turma referenciada registou um progresso significativo, dado que a maioria dos alunos obteve sucesso escolar”, comunica também o Alto Comissariado para as Migrações (ACM), igualmente em resposta escrita.
Depois de as notícias de Setembro darem conta do descontentamento de alguns pais e de o alto-comissário Pedro Calado ter feito saber que este tipo de soluções “têm de ser temporárias e o objectivo tem de ser a integração do grupo minoritário no grupo maioritário”, a Direcção-Geral de Educação propôs a constituição de um grupo de trabalho para acompanhar e monitorizar a turma especial da Escola Básica do 1.º ciclo dos Templários.
“Constituído por um representante da Direcção-Geral da Educação, um representante da Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares, um representante do ACM e um representante do Agrupamento de Escolas dos Templários, reuniu duas vezes, tendo a primeira reunião sido realizada em Abril e a segunda em Julho, esta última com o objectivo de percepcionar os impactos e perspectivar o futuro da referida turma”, informa o ministério.
A tutela concluiu que o Agrupamento de Escolas dos Templários planificou e “desenvolveu um conjunto de actividades direccionadas à escola e à turma” para “promover a plena inclusão dos alunos na comunidade escolar” e “o sucesso”.
Ainda assim, e tal como já havia sido adiantado, a turma não se manterá neste moldes. “Deixará de ser exclusivamente constituída por alunos de etnia cigana.”
"A não repetir"
Quando em Fevereiro o PÚBLICO visitou algumas das famílias dos alunos da turma, numa zona de barracas de madeira, zinco e plástico, as opiniões divergiam: José Mendes, pai de uma menina de 8 anos, dizia que “juntar uma turma só de ciganos” não fazia sentido e, garantia, não estava a resultar. “Não estão a aprender nada.”
Já Bruna Silva, também cigana, funcionária da escola, tinha outra versão: “Estas crianças... muitas não sabiam ler ainda. Era justo ter crianças que não sabiam ler com outras que sabiam? Agora, a professora pode dar as matérias que estão para trás, percebe?” Percebe-se, mas há quem questione. “Saúdo vivamente a decisão de que isto é uma coisa a não repetir”, diz Luiza Cortesão, professora emérita da Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, uma especialista em problemáticas interculturais.
Mas se a turma teve bons resultados, não era de ponderar mantê-la nos mesmos moldes?
“Não adiro a essa definição de ‘bons resultados’”, responde Luiza Cortesão. “O que vão fazer estes alunos para o ano? O que vão fazer com as aprendizagens que adquiriram? Como vão crescer como alunos e cidadãos?” O sucesso mede-se quando houver resposta para isso, diz.
O director do agrupamento, Carlos Ribeiro, disse em Setembro que se estava a falar de crianças repetentes, e que tudo o que se pretendia era que não ficassem mais um ano “a marcar passo”. Em Fevereiro, prometeu um balanço no fim do 3.º período. Nos últimos dias, não respondeu aos pedidos do PÚBLICO.
Questionado porque razão no seu balanço são contemplados 13 alunos, quando as notícias de Setembro davam conta de 14, o ministério da Educação explicou: “A turma era inicialmente composta por 14 alunos. Posteriormente, dois foram transferidos para outra escola do mesmo agrupamento. Entretanto, chegou outro aluno, que não era de etnia cigana, e que integrou a turma, pelo que os dados finais são relativos a 13 alunos.”
"Aprendizagem intercultural"
Um relatório da comissão de Ética do Parlamento, de 2009, dava conta de que alguns estabelecimentos que ensaiaram experiências do género com meninos ciganos conseguiram “uma redução drástica do abandono escolar”.
Mas Maria José Casa-Nova, do núcleo de Educação Para os Direitos Humanos da Universidade do Minho, diz que estas experiências, várias das quais tem acompanhado, contrariam um “princípio” fundamental na escola pública: “Um local onde todos os estratos sociais estão presentes”, onde as crianças aprendem a “conhecer as diferenças e a constituir uma sociedade intercultural”. Ora, “uma turma só de ciganos, só de angolanos ou só de classes desfavorecidas não permite essa aprendizagem intercultural”.
Mais: não raras vezes estas turmas são alvo de programas alternativos “menos exigentes”, onde “o sucesso certificado não é o sucesso das aprendizagens”. E os alunos “nunca mais conseguem ingressar em percursos escolares normais”.
Na opinião de Casa-Nova se os alunos da turma de Tomar vivem em condições sociais mais precárias, em barracas, por exemplo, onde há menos condições para fazer os trabalhos de casa, o que a escola tem que fazer é criar condições para que os façam na escola, com apoio. E não separá-los.
O ACM, na sua nota ao PÚBLICO, faz agora questão de “salientar o compromisso e o esforço da escola no sentido de criar turmas mistas e não alegadas ‘turmas ciganas’, como referenciado pela comunicação social no passado”.
Maria José Casa-Nova sublinha, por fim, que seria útil ter muitos mais elementos do que os que estão agora disponíveis para avaliar este projecto: “Este alunos frequentaram um programa curricular alternativo ou o programa normal? Houve uma redução do nível de exigência? Se eram de vários anos como foi feita a avaliação? Qual a qualidade das aprendizagens? E qual foi o ‘efeito comunicação social’? Esta escola sabia que tinha as atenções viradas para si.”