Dilma cercada por escândalo de corrupção que assume dimensão internacional

As ondas de choque da operação Lava Jato já se sentem em vários países da América Latina e até na Suíça. O elo comum é a construtora Odebrecht.

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Para 69,2% dos brasileiros, Dilma é uma das culpadas pela corrupção EVARISTO SA/AFP

Apesar de ter presidido ao conselho de administração da Petrobras no período dos factos denunciados (e já apurados) pela investigação Lava Jato, a Presidente do Brasil, Dilma Rousseff, tem sido poupada das suspeitas de corrupção. Mas para 69,2% dos brasileiros, ela é uma das culpadas pela corrupção na estatal, que 65% acreditam já ter começado no mandato do seu antecessor Lula da Silva, revela uma sondagem CNT/MDA. O cerco ao Governo de Dilma está a apertar-se: no actual ambiente de desconfiança generalizada e crise institucional, a sua margem de manobra política está seriamente diminuída, e a sua imagem muito comprometida. Aliás, 63% dos brasileiros apoiam agora a abertura de um processo para a destituição da Presidente, que foi reeleita em Novembro passado com 51,6% dos votos.

O escândalo de corrupção, que rebentou também há pouco mais de um ano, ainda antes da reeleição, e inicialmente parecia circunscrito apenas à empresa petrolífera estatal Petrobras, continua a crescer, deixando no ar a ideia de que está “tudo” está ligado, e ao mais alto nível: as maiores empresas do Brasil, os políticos e respectivos partidos – do Governo e base aliada, e também da oposição –, e até a Procuradoria e os tribunais. Porém, 67,1% dos entrevistados pela CNT/MDA não acreditam que os responsáveis pela corrupção venham alguma vez a ser castigados.

Peru e Suíça investigam

E a rede já extravasa as fronteiras brasileiras, com ramificações a tocarem vários países latino-americanos e africanos. A prisão de Marcelo Odebrecht, o presidente da administração, no âmbito da operação Lava Jato, deixou "milhões de dólares em projectos de infra-estrutura sob escrutínio por toda a região”, escreve a Reuters. A Polícia Federal brasileira acabou de imputar ao empresário os crimes de corrupção activa, lavagem de dinheiro, fraude em licitações e crime contra a ordem económica – e além de Odebrecht, foram também indiciados (e detidos) outros quatro executivos da construtora.

O escândalo assumiu uma dimensão internacional com a confirmação, pelo Procurador-geral do Peru, Pablo Sanchéz, das diligências das autoridades nacionais no âmbito da investigação a supostas práticas de suborno em torno de um projecto viário transcontinental, e que incluem uma missão de investigadores peruanos ao Brasil para recolha de depoimentos e provas. “A mensagem que o Brasil deu, com uma investigação da escala [da Lava Jato] que vai ecoar aqui se encontrarmos provas, é de uma clara batalha contra a corrupção nesta região”, disse Sanchéz.

Esta quinta-feira foi conhecida a existência de um outro inquérito, aberto pelo Ministério Público de Berna, na Suíça, por indícios de pagamentos de subornos por parte da Odebrecht, através de contas abertas naquele país por ex-directores da Petrobras. 

De acordo com a Reuters, outros países da América Latina estão a mexer-se para descobrir o que está por trás dos negócios da construtora, responsável por quase três quartos dos projectos de infra-estrutura de empresas brasileiras no estrangeiro. “O Equador iniciou auditorias a contratos da companhia. O vice-presidente da Colômbia alertou que a empresa poderia ser proibida de participar em concursos públicos durante décadas. Investigadores nos Estados Unidos e no Panamá também estão a colaborar com as autoridades brasileiras”, informa a agência. 

Os Estados Unidos já suspeitavam de que havia irregularidades com a actividade da Odebrecht nesses países, lê-se em alguns dos telegramas diplomáticos dos Estados Unidos revelados pela Wikileaks, e que o jornal O Estado de São Paulo publicou nesta quarta-feira. 

As desconfianças dos EUA

Equador, Panamá, Venezuela e Angola, são países onde a Odebrecht fez negócios que os norte-americanos consideravam suspeitos, ainda durante a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva (que deixou o cargo em 2009). O ex-Presidente e homem forte do Partido dos Trabalhadores está no centro de um outro inquérito judicial, aberto pela Procuradoria de Brasília para apurar a natureza da sua associação à construtora depois de deixar o palácio do Planalto.

O diário aponta casos concretos de mensagens enviadas para Washington da embaixada de Quito, no Equador, que referem a pressão do Presidente Rafael Correa sobre a Odebrecht, que terá sido ameaçada de expulsão do país, depois de o chefe da secretaria anticorrupção equatoriana questionar os preços e o financiamento dos seus contratos, informou o embaixador norte-americano, num telegrama de Outubro de 2008. “Apesar de não termos a história completa da ira de Correa contra a Odebrecht, suspeitamos que a corrupção e a pobre construção da empresa amplamente devem explicar as suas acções”, lê-se no documento citado.
 
Datado de Outubro de 2009, um telegrama da embaixada dos EUA no Panamá alerta para um escândalo de corrupção prestes a rebentar envolvendo a Odebrecht, e menciona explicitamente “uma grande contribuição” para a campanha do então Presidente Ricardo Martinelli, paga pela construtora brasileira que tinha assinado um contrato de 60 milhões de dólares para a construção de uma estrada “sem licitação”.

Outros telegramas referem o papel do então Presidente Lula da Silva no fecho de negócios da Odebrecht na Venezuela e em Angola. Se a conduta de Lula não é posta em causa, já os contratos atribuídos à construtora merecem as maiores dúvidas aos norte-americanos. Portugal não fez qualquer pedido de cooperação internacional para investigar Lula, assegurou o Ministério Público, depois de ter sido noticiado que os contactos do ex-Presidente brasileiro com Passos Coelho estavam também na mira das autoridades brasileiras.

Camargo Corrêa condenada

Se Marcelo Odebrecht beneficia, por enquanto, da presunção de inocência relativamente aos crimes que lhe foram imputados no âmbito da Lava Jato, os administradores de outra grande construtora brasileira, a Camargo Corrêa, foram já condenados a penas de prisão e ao pagamento de uma multa de sete milhões de reais (dois milhões de euros) pelos crimes de corrupção, formação de quadrilha e branqueamento de capitais. 

O juiz aceitou que Dalton Avancini, Eduardo Leite e João Auler cumprissem a pena em regime domiciliário: os três assinaram acordos de delação premiada, fornecendo provas do pagamento de subornos no valor de 50 milhões de reais ao ex-director de Abastecimento da Petrobras, Paulo Roberto Costa, por contratos nas obras das refinarias Getúlio Vargas, no Paraná, e Abreu e Lima, em Pernambuco.

Além da Odebrecht e da Camargo Corrêa, outras cinco construtoras foram nomeadas pelas autoridades como integrantes do cartel que operava em sistema de “rodízio”, pagando subornos para assegurar contratos da Petrobras. Neste momento, há pelo menos 20 executivos (administradores, directores) no banco dos réus, a aguardar sentença.

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