Despedimento
O mundo laranja só será róseo se os portugueses o quiserem, despedindo Coelho e Portas.
Segundo as fontes oficiais, no final do primeiro trimestre, estavam desempregados 667.800 portugueses, taxa de desemprego oficial de 13,0%. Segundo este critério, em Junho de 2011 haveria menos 6.100 desempregados que hoje. Os desencorajados, inactivos disponíveis mas que não procuraram emprego, são hoje 256.800 e eram146.800 em 2011. Os desempregados em acções de formação e medidas activas de emprego são hoje 160.168 e eram 26.046 em 2011. O desemprego real — desempregados, desencorajados e ocupados — ascende hoje a mais de 1 milhão, tendo sido de 835 mil em 2011, pelos mesmos critérios. Sem contar com os activos emigrados, pelo menos dois terços dos 480 mil que deixaram o país em quatro anos. Dentre os desempregados, os de longa duração — desempregados há pelo menos 11 meses — são hoje 459.900, tendo sido 363.100 em 2011. A taxa de desemprego nos jovens é hoje de 31,4%, tendo sido de 28,0% em 2011. Em termos globais, o emprego, público e privado, é hoje 4.486,3 milhares, tendo sido de 4.702,5 em 2011, o que representa menos 216,2 mil empregos, nestes quatro anos. Se forem descontados os “ocupados” em formação chegaremos aos 320 a 350 mil. Ou seja, qualquer que seja o indicador ou a óptica de análise é insofismável que o emprego foi severamente atingido nestes desgraçados quatro anos. Recuperar a economia para criar emprego deve ser a primeira das prioridades.
Pois o nosso primeiro-ministro resolveu comparar o incomparável, em segmentos de tempo de diferente duração; pretendeu comparar perdas de emprego entre 2005-2011 (seis anos) com a criação de emprego entre 2011-2015 (quatro anos). Quando deveria ter comparado separadamente as perdas e os ganhos. Se o tivesse feito veria que, no período da mais grave crise económica mundial dos últimos 85 anos, se perderam 39 mil empregos em média anual e no período que deveria ser de recuperação, com ajuda externa, se perderam mais de 54 mil empregos em média anual. E quanto à criação de emprego, dado o facto de só a partir de Outubro de 2014 o INE disponibilizar dados mensais, louvo-me no cuidadoso artigo de Ana Suspiro no Observador de 15.07.2015, um insuspeito jornal de direita, onde conclui que, entre o primeiro trimestre de 2014 e o homólogo de 2015, se regista a criação de 44 mil postos de trabalho e não dos 175 mil que o primeiro-ministro alegava terem sido criados a partir do início de 2013.
No comentário sobre os futuros cortes de pensões, explicitamente anunciados pela ministra das Finanças no montante de mais 600 milhões, o primeiro-ministro tenta duas difíceis ginásticas verbais: “não estamos à espera de cortes nas pensões” disse ele, como se os cortes fossem desencadeados por uma qualquer entidade mítica, e não por ele e pelo seu governo. A segunda é a velha táctica de jogar a bola fora quando o adversário aperta: “os 600 milhões não têm a ver com os cortes, dependem de negociações com o PS sobre o sistema de previdência”. Ou seja, haver ou não cortes de mais 600 milhões depende não dele, mas do PS. Sem querer, fugiu-lhe a boca para a quase verdade: não é do PS que depende o corte dos 600 milhões mas da escolha dos portugueses. Se escolherem o PS para governar têm a garantia, defendida com boas contas, de que não haverá mais cortes de pensões. Se escolherem a coligação, terão a certeza de que os cortes, embora temporariamente escondidos, virão fatalmente.
Quanto a programa de governo tudo parece resumir-se à estratégia até 2019, apresentada a Bruxelas (a tal que inclui o corte adicional de 600 milhões em pensões): economia liderada pelas exportações, mais investimento e remoção progressiva da austeridade em quatro anos. Nada como apresentar promessas, à falta de obras: remoção da sobretaxa do IRS, dos cortes na função pública, baixar o IRC, guerra “sem quartel “ às desigualdades. Não foi por acaso que a devolução do subsídio de férias, por força do Tribunal Constitucional, não foi executada no habitual mês de Junho, mas sim em Julho, mais próximo das eleições. Não nos admiremos que outros bom-bons surjam daqui até Setembro, pelo menos em promessa. Como a coligação não espera governar, até pode prometer tudo. Mas logo por azar nosso a síntese económica de conjuntura, de Junho de 2015, agora publicada pelo INE, vem arrefecer os ânimos coligados: o indicador do consumo privado cresceu menos, o investimento voltou a diminuir devido sobretudo a perdas na construção, as exportações aumentaram em termos homólogos, 8%, mas as importações a 11%, revertendo o sentido do mês anterior. Finalmente, a taxa de desemprego (15 a 74 anos), ajustada de sazonalidade, subiu de 12,8 em Abril para 13,2% em Maio, fazendo baixar a estimativa da população empregada de 0,5 face ao mês anterior. Significam estes dados que o relançamento parou? De modo algum. Tão baixo se desceu que qualquer pequena subida é registada. O que acontece é que esta trajectória de crescimento, além de muito lenta, é errática e com a economia europeia a ajudar pouco, não nos admiremos dos remoques que a Comissão tem vindo a emitir sobre a paragem de reformas nos últimos seis meses. O mundo laranja só será róseo se os portugueses o quiserem, despedindo Coelho e Portas.
Maria Barroso
Não é mais um elogio fúnebre, tivemos muitos e bons, Maria Barroso mereceu-os todos e mais os recolhidos no nosso pensamento. Apenas duas notas. A primeira para recordar Março ou Abril de 1964, em Coimbra, numa república, após uma conferência realizada na Associação Académica, onde em Novembro de 1963 a esquerda ganhara eleições. Uma Coimbra de arte e política, Alegre a representar Gil Vicente no TEUC, Carlos Paredes e José Niza a comporem uma música, creio que hoje perdida, para as Bodas de Sangue de Lorca que o CITAC levou à cena, Adriano a emprestar a sua voz mítica. Numa dessas noites de poesia, música e sonho Maria Barroso recitou tudo o que se lhe pediu. Tinha o marido desterrado e as palavras saiam-lhe como armas. Não foram poucos os que se comoveram e a recordam para sempre.
A segunda nota tem a ver com causas a que se dedicou já depois de deixar de ser primeira-dama: a da luta contra a violência nos programas juvenis nas televisões e a da reabilitação e reconstrução da casa de Aristides Sousa Mendes, em Cabanas de Viriato, ambas infelizmente sem vitória à vista. Talvez pela dedicação quase insólita que votou a estas e outras causas os portugueses de todas as cores e credos, em especial o povo de Lisboa, lhe ofereceram tão surpreendente como sentida homenagem no seu funeral.
Professor catedrático reformado