Eppur, o clima si muove
Fui educado num colégio católico. Apesar da excelência do ensino, aprendi que há dois tipos de dúvidas que não vale a pena tirar com padres: 1) questões sobre raparigas; 2) questões matemáticas. Nunca me hei-de esquecer desta conversa que tive com o padre Heitor, no 6.º ano:
— Estás macambúzio, José. O que te apoquenta?
— Estou com um problema. Posso perguntar-lhe uma coisa?
— Pergunta-me o que quiseres, rapaz. Estou cá para ajudar.
— A Marisa, do 5.º C deu-me um beijo na casa de banho. Só que é namorada do Rui. Mas diz que quer continuar a encontrar-se comigo ao pé do urinol. O que é que faço?
— Ui! Sou celibatário, não percebo nada disso. Pergunta-me antes outra coisa.
— Ok. Explique-me a Santíssima Trindade. Como é que um é três?
— Hum… Vamos lá então falar dessa Marisa galdéria.
Desde essa altura não tenho grande confiança em explicações sobre ciências exactas dadas por membros do clero. Daí ser-me difícil perceber a encíclica Laudato Si. Informar-me sobre alterações climáticas junto do Papa é a mesma coisa que tirar dúvidas sobre Segurança Social com Passos Coelho.
Por outro lado, o esclarecimento de fenómenos climatéricos por parte da religião é uma prática antiga. Eis um apanhado da Bíblia:
Gn 7, 1-24: “O Senhor disse a Noé: (…) Dentro de 7 dias vou mandar chuva sobre a Terra, durante 40 dias e 40 noites. (…) No dia 17 do segundo mês romperam-se todas as fontes do grande abismo e abriram-se as cataratas do céu (…) As águas cobriram a terra durante 150 dias.”
Ex 10, 23-25: “E o Senhor fez chover granizo sobre a terra do Egipto. Houve granizo e fogo que se acendia a si mesmo no meio do granizo muito pesado como não houve em toda a terra do Egipto desde que se tinha tornado uma nação.”
Gn 20, 24: “Então, o Senhor fez cair do céu, sobre Sodoma e Gomorra, uma chuva de enxofre e de fogo.”
Ex 21: “O Senhor fez recuar o mar com um vento forte de oriente, toda a noite, e pôs o mar a seco.”
Durante mais de dois mil anos andaram a convencer-nos que os cataclismos climatéricos eram causados por Deus. Agora mudaram de opinião e querem convencer-nos que são obra do Homem. Das duas, uma: ou não são causados por nenhum dos dois; ou então o Homem é Deus. Se for isso, o Senhor do Antigo Testamento é agora o Sr. Abílio que atesta a viatura e acelera até ao Algarve a queimar combustíveis fósseis.
Em 1992, apenas 359 anos depois de ter condenado Galileu por dizer que a Terra girava à volta do Sol, o Vaticano lá o absolveu da heresia de ter tirado o Homem do centro do Universo. Agora, finalmente, a Igreja volta a conseguir recolocar o Homem no centro. Tudo bem que não é do Universo, é do clima, mas já não está mal. Aparentemente é o Homem que mexe no clima, que sem acção humana permaneceria estável. Eppur, o clima si muove.
359 anos é muito tempo para pedir desculpa. Claro que, se Galileu tivesse sido condenado à fogueira, seria mais grave. Por outro lado, se isso tivesse acontecido, de certeza que o Papa Francisco já teria apresentado um pedido de desculpas muito mais veemente do que o de João Paulo II. Afinal, teria de pedir desculpas não só pela condenação, mas, mais importante, pelo CO2 emitido pelo lume inquisitorial.