Saúde 24: eram mesmo falsos recibos verdes

Esta empresa mantém a política de recrutamento a falsos recibos verdes, com a diferença de que agora até pratica valores por hora inferiores ao que se considera ser digno para esta classe trabalhadora que parecem querer dizimar

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Valentin Flauraud/Reuters

Era suposto a Linha de Saúde 24 ser um serviço público: um serviço do Estado disponibilizado aos cidadãos e cidadãs e gerido pelo Governo. Não por uma empresa privada.

A Linha de Saúde 24, parte do SNS, foi concessionada à Linha de Cuidados de Saúde S.A. e com a concessão veio a precariedade. Um serviço público a ser gerido pelo privado que faz da ilegalidade política interna ao aplicar o regime de prestação de serviços (recibos verdes) e recusando direitos aos trabalhadores. Porquê contratar a recibos verdes? Se se trata de um serviço assente numa lógica de continuidade (um serviço que se quer disponível 24 horas sobre 24 horas) e que não deixa margem para dúvidas quanto à necessidade de ter trabalhadores permanentes (isto é, contratados), porque se insiste tanto no esquema dos recibos verdes? Insistir na precariedade quando a realidade exige direitos. Porquê? Porque fica mais barato e é uma forma das entidades empregadoras se desresponsabilizarem já o sabemos, mas como pode o Estado compactuar é onde reside a dúvida.

Fartos dos (falsos) recibos verdes, os enfermeiros e as enfermeiras da Linha de Saúde 24 formaram uma comissão de trabalhadores informal e partiram à luta pelo cumprimento da lei e reconhecimento dos seus direitos. Denunciaram a situação à Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) — ao abrigo da Lei 63/2013, que institui mecanismos de combate aos falsos recibos verdes — e a inspeção teve lugar em Janeiro de 2014. Em Maio do mesmo ano, o Ministério da Solidariedade, Emprego e Segurança Social, com base no relatório da ACT, confirmava que os enfermeiros e enfermeiras da Linha de Saúde 24 estavam em situação de falsos recibos verdes: “Não obstante terem sido contratados como prestadores de serviços (vulgo “recibos verdes”), desenvolvem a sua actividade em condições que permitem presumir a existência de contratos de trabalho”.

Os processos seguiram para tribunal. Um ano, e depois de muitos “trânsito em julgado” contra a Lei 63/2013, Márcia Silva, uma das enfermeiras que deu a cara por esta luta, recebeu a sentença e o tribunal decidiu que os quatro anos de trabalho para a Linha de Saúde 24 foram quatro anos de falsos recibos verdes. Verifica-se a presunção de contrato de trabalho (artigo 12.º do Código do Trabalho, Lei7/2009) e confirma-se que o Governo apoia ilegalidades e patrocina a precariedade. Uma pequena, mas significante vitória a favor do direito ao trabalho.

Mas nada tem travado a LCS. Esta empresa mantém a política de recrutamento a falsos recibos verdes, com a diferença de que agora até pratica valores por hora inferiores ao que se considera ser digno para esta classe trabalhadora que parecem querer dizimar.

E o ministro Mota Soares? Tão preocupado em massacrar os trabalhadores a recibos verdes com exigências sem fim, mas continua a permitir que empresas como esta recorram ao regime de prestação de serviços de forma ilegal. As empresas têm de ser responsáveis pelos trabalhadores que para elas produzem. E se é suposto a Segurança Social ser sustentável, não podem ser os trabalhadores os únicos a pagá-la!

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