Cinco anos depois, a Europa ainda não sabe o que fazer
1. O que parece ser mais extraordinário, nesta prolongada crise europeia que agora está prestes a atingir o seu clímax, é que a Europa, incluindo Berlim, não estava preparada para enfrentar um cenário altamente provável de iminente catástrofe num dos membros da zona euro. A razão é simples: nos últimos cinco anos, enquanto a Europa viveu ao ritmo da crise do euro cujo primeiro acto foi a crise da dívida grega (2010), Berlim não definiu uma estratégia política de longo prazo (a não ser recriar o euro à sua imagem e semelhança). Foi fazendo apenas o estritamente indispensável. Os outros países não tiveram força ou vontade para lhe impor outra atitude.
Há cinco anos, em Maio de 2010, a Grécia estava na iminência de bancarrota. A crise financeira mundial e a recessão económica que se abateram sobre a Europa levaram os mercados a olhar para a dívida soberana de outra maneira. Até aí, o custo do dinheiro era praticamente o mesmo na poderosa Alemanha e na frágil Grécia. Depois, separaram as águas, deixando de confiar na solidez do euro. A chanceler alemã não tinha uma resposta à altura dos acontecimentos. Até ao último instante, limitou-se a repetir a cláusula do “no bail-out” inscrita no Tratado de Maastricht, segundo a qual cada país tinha a responsabilidade de resolver os seus problemas em caso de um choque assimétrico ou de uma gestão irresponsável da dívida. Merkel resistiu até ao último minuto antes de aceitar que os governos europeus teriam de salvar a Grécia, pagando o primeiro resgate. Como escreveram na altura muitos analistas, a chanceler apenas reagiu quando “viu o abismo à sua frente”. O segundo “estado de negação” de Berlim (e de Bruxelas) foi sobre a avaliação do risco de contágios a mais países da zona euro. Enganou-se. Seguiu-se a Irlanda, depois Portugal e Espanha (embora apenas aos bancos) e, finalmente, Chipre. A Alemanha percebeu que tinha diante de si uma crise que lhe daria a oportunidade de reformar a zona euro à sua imagem e semelhança. A austeridade passou a ser o remédio que os incumpridores teriam de beber até ao fim a troco dos respectivos resgates. A Grécia precisou de dois resgates e de uma reestruturação da dívida (aos privados). Portugal e Irlanda saíram dos respectivos “programas de ajustamento”. O tempo e os resultados mostraram à saciedade que os programas tinham erros calamitosos de avaliação das suas consequências. O principal resultado político desta desadequação foi a eleição do Syriza.
2. Merkel teve o mérito de reconhecer que, se o euro falhasse, seria o fim da União Europeia. Ontem, voltou a repetir essa frase. Guiou a sua política dos “pequenos passos” mantendo na memória que a Alemanha não podia correr o risco de ser olhada como o país que destruiu três vezes a Europa no prazo de 100 anos. Mas não mudou a sua forma de actuar: no último minuto e com o menor custo possível. Quando o Syriza chegou ao poder em Atenas, a chanceler actuou bem do ponto de vista táctico, reservando a sua margem de manobra para decidir em última instância. Quando Alexis lhe tirou o tapete, ficou sem nada. Ainda não se sabe o que tenciona fazer. “O que está em causa não é apenas a estabilidade económica e financeira”, escreve Marcel Fratzscher no Financial Times. “O desgaste político de longo prazo pode ser devastador, em particular para o Governo alemão”. No fundo, ela é a principal responsável pela incapacidade política europeia de agir em conjunto nos últimos cinco anos, em vez de contribuir para dividir a Europa. Sem poupar as palavras, a Spiegel escreve que o que se passa na Grécia é “o preço de cinco anos de cobardia”.
A chanceler ouviu dezenas de vezes o Presidente americano dizer-lhe que a Grécia não era apenas um problema económico, mas um problema de enorme importância geopolítica para o Ocidente. Obama nunca conseguiu perceber porque é que a Alemanha não era capaz de resolver um problema que valia menos de 2 por cento do PIB europeu. Alertou para consequências que poderiam sair muito mais caras. A Europa seguiu em frente. Até chocar no muro. Deixou-se arrastar por Tsipras para uma situação insustentável. Mario Draghi que, perante a ausência política europeia, foi tratando de manter o euro a respirar, deixou cair os braços. Avisou mil vezes os europeus que as decisões políticas eram com eles.
3. Agora, sem uma estratégia alternativa, vêm ao de cima as incongruências europeias que não são apenas da chanceler. François Hollande, que optou por ficar discretamente ao lado de Merkel na condução da crise grega, tenta de novo ressuscitar o papel de mediador da França. Ontem, ele, Michael Sapin (o seu ministro das Finanças) e o comissário francês Pierre Moscovici voltaram a defender o regresso rápido às negociações, sem explicar em que condições. “Tivemos sempre a posição negocial mais aberta”, disse um diplomata francês ao site do Politico Europa. “Sempre dissemos que estávamos abertos à discussão sobre a reestruturação da dívida (…)” O mesmo site chamava-lhe “o último amigo de Tsipras”.
Jean-Claude Juncker ainda acredita que os gregos vão votar sim e apela a que o façam, oferecendo ao Syriza mais achas para a sua fogueira patriótica. O presidente da Comissão foi, quase até ao fim, o único aliado de Atenas. Sente-se traído pela forma como o governo de Tsipras abandonou a mesa das negociações.
A chanceler continua a não abrir o jogo, sem fechar completamente a porta. Ontem, voltou a lembrar que o fracasso do euro é o fracasso da Europa. Somando a cacofonia europeia, fica a ideia de que os líderes europeus ainda acreditam numa reviravolta, carregando as cores do que está em causa no referendo: se vencer o ‘não’ de Tsipras, a Grécia escolhe sair do euro. Já estamos, como avisou Draghi, em águas nunca dantes navegadas. O que está em causa é imenso. “A Grécia precisa de ser salva do colapso político, económico e social”, diz Tony Barber, editorialista do Financial Times. O fracasso grego e a incapacidade europeia para o evitar afectará, lembra também Barber, a capacidade europeia para resolver todos os seus outros enormes problemas, da Rússia ao Brexit, passando pela imigração ou o risco de estagnação económica. O jornalista defende que não falta apenas um plano B para evitar o contágio, falta um plano C para salvar a Grécia. Dentro ou fora da União Europeia. A Grécia não é a Argentina. É um país da União Europeia e da NATO. Deixada à sua sorte, pode enveredar facilmente por um caminho de extremos que fará do Syriza um partido “moderado”. A Aurora Dourada, ideologicamente fascista, é a terceira força no Parlamento de Atenas. Um default arrastaria os gregos para dificuldades económicas e sociais inimagináveis. Os europeus não poderiam, pura e simplesmente, olhar para o lado. Se é esse o preço que querem pagar para tirar o Syriza do jogo, é preciso anteciparem as consequências. A Rússia cantará de galo, perante uma brecha na muralha de segurança da NATO. “A crise da dívida grega coloca o euro e a União Europeia em perigo”, escreve Simon Tilford, do Centre for European Reform de Londres. Pode não estar a exagerar. Na Spiegel, Dirk Kurbjuweit explica longamente como é que “estamos a viver na Anti-Europa”. Merkel vai ter de navegar à vista. Ainda vai a tempo? Saberemos nos próximos dias.