Lula demarca-se de Dilma e pede uma "revolução" no PT

Ex-Presidente critica sucessora e o Partido dos Trabalhadores: "Temos que decidir se nós queremos salvar a nossa pele e os nossos cargos, ou queremos salvar nosso projecto”.

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Lula no debate com González, em que defendeu uma "revolução interna" no PT Paulo Whitaker/Reuters

“Eu acho que o PT perdeu um pouco a utopia. Eu lembro como é que a gente acreditava nos sonhos, como a gente chorava quando a gente mesmo falava, tal era a crença. Hoje nós precisamos construir isso porque hoje a gente só pensa em cargo, a gente só pensa em emprego, a gente só pensa em ser eleito”, disse, na segunda-feira, em São Paulo, citado pelo jornal O Globo.

“Fico pensando se não está na hora de fazer uma revolução neste partido, uma revolução interna, colocar gente nova, mais ousada, com mais coragem. Temos que decidir se nós queremos salvar a nossa pele e os nossos cargos, ou queremos salvar nosso projecto”, declarou também.

As afirmações foram feitas numa conferência sobre “Novos desafios da democracia”, que incluiu um debate com o socialista ex-presidente do Governo de Espanha, Felipe González, realizado no instituto com o seu nome. Lula disse que tenciona convidar representantes de partidos que têm surgido na Europa, caso do espanhol Podemos. “O PT era, em 1980, o que é hoje o Podemos”, afirmou.

Mas foram as críticas que fez no sábado, num encontro com religiosos católicos, também no seu instituto, quando se referiu concretamente a Dilma e responsabilizou o seu Governo, que estão a incomodar a Presidente do Brasil.

“Dilma está no volume morto, o PT está abaixo do volume morto, e eu estou no volume morto. Todos estão numa situação muito ruim. E olha que o PT ainda é o melhor partido. Estamos perdendo para nós mesmos”, afirmou. A expressão volume morto aplica-se à água do fundo das barragens, que normalmente não se utiliza e que só pode ser captada por bombagem.

Lula declarou na mesma ocasião que o “Governo parece um Governo de mudos” e que é um “sacrifício” convencer Dilma a viajar pelo país defendendo o projecto do PT.

A declaração politicamente mais relevante foi a de que a Presidente quebrou promessas eleitorais. “Tem uma frase da companheira Dilma que é sagrada: ‘Eu não mexo no direito dos trabalhadores nem que a vaca tussa’. E mexeu”, disse. O ex-Presidente considera também “marcante” a quebra do compromisso de não fazer “ajuste”. O “ajuste fiscal” consistiu em cortes nas despesas sociais e em aumentos de impostos e outras receitas.

As críticas desagradaram a Dilma, mas, segundo a Folha de São Paulo, a ordem é para não reagir. O reparo que mais lhe terá desagrado foi a afirmação de que mentiu na campanha quando disse que não haveria alterações nos direitos laborais nem “ajuste fiscal”.

O mesmo jornal escreveu que uma ala do Governo de Dilma interpreta as críticas como um ensaio de distanciamento que permita ao ex-Presidente sobreviver politicamente até às próximas eleições em 2018, em que poderá recandidatar-se. O antigo chefe de Estado estaria, segundo os "dilmistas", a tentar passar a mensagem de que a responsabilidade pela crise política e económica é apenas da actual chefe de Estado.

Dilma está a viver um momento politicamente difícil. A sua popularidade caiu para 10% e a taxa de rejeição do seu Governo atingiu o seu nível mais alto, com 65%, segundo o Instituto Datafolha. É um valor próximo dos 68% de Collor de Mello em Setembro de 1992, pouco antes de ser afastado da Presidência por corrupção. Mas Lula também tem motivos para preocupações. Ele próprio disse há dias que está convencido de que será o próximo alvo da operação Lava Jato, uma investigação à rede de corrupção em torno da Petrobras, a petrolífera nacional, apesar de negar qualquer actuação ilícita.

Aécio Neves, presidente do PSDB (Partido da Social Democracia Brasileira), derrotado por Dilma nas presidenciais de 2014, não perdeu tempo e aproveitou a boleia das críticas de Lula ao partido e à sucessora. “Acho que o Presidente Lula, mais do que ataques à actual Presidente, sua criatura, tem que reassumir a sua parcela de responsabilidade pelo que vem acontecendo no Brasil. E não há como descolar uma coisa da outra: o governo é o PT, o governo é Dilma, o governo é Lula”.

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