O Pássaro de Fogo da CNB vive num tempo que ainda há-de vir

Nova produção segue de perto a história que conta o original de Fokine e é uma longa reverência à música de Stravinsky.

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Um pássaro de poderes sobrenaturais interpretado pela bailarina Filipa de Castro Daniel Rocha
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O vídeo mapping de Nuno Maya Daniel Rocha
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Os figurinos são de José António Tenente Daniel Rocha
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O Pássaro original, o que subiu pela primeira vez ao palco em Junho de 1910, em Paris, é um marco da história da dança e um paradigma das produções e do método de trabalho da mítica companhia do empresário Sergei Diaghilev, os Ballets Russes. É a peça que marca o início de uma colaboração que daria origem a outras duas obras de referência do património balético – Petrushka e A Sagração da Primavera – e que tornaria Stravinky, então um compositor que ainda não tinha feito 30 anos, famoso. A nova produção da CNB segue de perto a original - Michel Fokine na coreografia em que junta dois contos populares russos,  servida pela cenografia de Aleksandr Golovin e pelos figurinos de Léon Bakst, ambos pintores -, mas procura afastá-la do universo de príncipes e princesas, sem retirar o que tem de fábula a esta história de um pássaro de poderes sobrenaturais (a bailarina Filipa de Castro), que ajuda Ivan Tsarevich (Carlos Pinillos), símbolo do bem, a resgatar das mãos de Köstchei, o mágico, o rosto do mal, a bela Tsarevna (Yurina Miura). Simples.

Fernando Duarte, também bailarino da companhia, nunca dançou O Pássaro de Fogo e trata a partitura de Stravinsky com reverência. Classifica-a muitas vezes como “pujante” e “sublime” e garante que jamais se atreveria a impor-lhe cortes. No guião de Fokine, que aqui se apresenta numa cenografia em vídeo mapping  de Nuno Maya e com figurinos de José António Tenente que nada devem à tradição do folclore russo, ao contrário dos originais de Bakst, o jovem coreógrafo também não fez alterações. “Quando trabalho tento sempre respeitar a forma como o compositor imaginou a peça do princípio ao fim”, diz, referindo-se aos outros dois trabalhos que assinou para a companhia, em especial a O Lago dos Cisnes, a sua estreia. “E aqui, como o trabalho do músico e do coreógrafo, que junta as duas histórias numa só, está muito colado à partitura, porque foi desenvolvido praticamente ao mesmo tempo, também não faria sentido alterá-lo muito.”

O que Fernando Duarte e Carlos Pimenta (dramaturgia) fazem é colocar a acção num tempo indistinto. “O nosso Pássaro vive num tempo por vir porque não queríamos fechar o conto, não queríamos que as pessoas sentissem que ele tem um prazo de validade”, explica o encenador, para quem o cenário imersivo de Maya (a projecção das imagens é feita a 270 graus) funciona como um livro de histórias ao vivo. “Não queremos que o cenário seja a estrela, porque num bailado a estrela deve ser a dança. Mas aqui ele funciona sobretudo como um instrumento para arrastar o público para dentro do espectáculo, um público que, por causa do número de músicos necessários para a partitura, está muito afastado do palco.” Nesta nova peça da CNB, que envolve 34 bailarinos, a Orquestra Sinfónica Portuguesa, sob a direcção de Joana Carneiro, actua com uma formação de 86 elementos.

Com uma estrutura pesada como esta, “era importante que o bailado fosse mais íntimo, mais humano”, acrescenta o coreógrafo. “Este nosso pássaro mágico nunca deixa de ser, também, uma mulher. Com toda a sua fragilidade e beleza. Eu não podia sujeitá-la ao mero esbracejar da ave que quer fugir.” Ela tem, afinal, a força de quem resiste e “uma imensa graciosidade”. É por isso, diz Fernando Duarte, que o Pássaro é capaz de garantir a vida eterna e é por isso, também, que Ivan nunca tem ao longo desta coreografia gestos largos: “Ele está quase sempre muito voltado para dentro, como se se mexesse com muito cuidado.” Exactamente o que fazemos quando temos um pássaro nas mãos e as fechamos em concha, para que não fuja.

A CNB dança O Pássaro de Fogo até 28 de Junho.

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