Li, recentemente, que um executivo de câmara deu o nome do seu presidente, quando ainda no poder, a uma praça e a um lar da vila. A praça situa-se numa rua que, por sua vez, tem o nome de um grande navegador português. Aparentemente, enfrentar tormentas no mar e liderar uma autarquia têm o mesmo peso. É certo que gerir qualquer instituição, na actual conjuntura do país, é um verdadeiro cabo dos trabalhos, mas não estou assim tão convencida de que seja o equivalente a guiar uma caravela sem GPS na época dos "descobrimentos". Quando os jornalistas perguntaram o porquê do nome inusitado, um dos vereadores respondeu que é uma homenagem ao importante trabalho do presidente e à honra da sua palavra. O descrédito da política e das instituições é hoje de tal ordem que cumprir com a palavra e com as promessas feitas dá direito a uma placa pública. Ainda assim, e consumadas as vénias, o que a vereação fez em excesso é o que muitas vezes nos falta no emprego, na política e na justiça — o reconhecimento.
A crise dos últimos anos veio não só agravar a precarização do trabalho e das oportunidades, mas também dificultar [ainda mais] o reconhecimento do mérito profissional. Portugal é um país onde o engenho e o talento são frequentemente subvalorizados ou negligenciados. Um país onde doutorados são obrigados a esconder a sua formação por terem estudos a mais. Como se ter um conhecimento específico e aprofundado sobre um determinado tema pudesse ser prejudicial. Onde estagiários competentes não vêm a cor de um contrato porque se acena com bandeiras de quase-salário-mínimo a outro que venha a seguir, pelo mesmo valor. Onde professores e engenheiros são abjectamente aliciados com vencimentos de 500 euros. Onde as carreiras e os salários se encontram congelados, mas onde há sempre espaço para contratar mais um jovem partidário ou um motorista com antecedentes criminais e uma predilecção por psicotrópicos.
Um estudo recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos conclui que as ligações políticas e os favores pessoais são mais importantes do que o mérito na evolução profissional dos portugueses. Nada de novo, portanto. É certo que a crise e a paranóia inerente do trabalho por números e por objectivos agravaram este cenário, mas muitos dos problemas que hoje enfrentamos têm raiz numa cultura já antes assente no privilégio, na ideologia e na imobilidade.
Mais do que por números, rácios e percentagens, o prestígio de um país deve medir-se pela forma como distingue a excelência. Contrariamente ao que se pensa, a meritocracia não significa o reconhecimento do mérito em si, mas sim a liderança da sociedade pela competência e não pela riqueza ou estatuto. Deveríamos ser governados pelos melhores em todas as áreas, pois sem mérito não há credibilidade e sem ela não há respeito. Como todos os argumentos falaciosos, o da crise esgotou-se. E não pode continuar a justificar a ausência de princípios e de reconhecimento. Ou começaremos todos a desejar ter praças da cidade com o nosso nome.