Rei de Espanha retira título de duquesa de Palma à irmã Cristina
Infanta está envolvida no escândalo de corrupção que tem no centro o seu marido, Iñaki Urdangarín.
A decisão, publicada na edição desta sexta-feira do Boletim Oficial do Estado, tem efeitos imediatos, e é mais um passo no sentido de reabilitar a imagem da monarquia espanhola, afectada nos últimos anos por um caso de corrupção mas também por episódios protagonizados por Juan Carlos.
Em Julho do ano passado, assim que assumiu o trono, Felipe VI anunciou um pacote de medidas com o objectivo de travar a contestação à monarquia, que passa por proibir os membros da família real de trabalharem em empresas privadas e pela realização de uma auditoria externa às contas da Casa Real – se esta lei estivesse em vigor durante o reinado de Juan Carlos, a infanta Cristina não poderia envolver-se directamente nos negócios do seu marido, o antigo jogador de andebol Iñaki Urdangarín.
A infanta Cristina de Borbón nunca aceitou voluntariamente renunciar ao título de duquesa de Palma, mesmo quando o seu nome passou a estar directamente envolvido no escândalo de corrupção conhecido como Nóos, e que tem no centro o seu marido.
Urdangarín, de 47 anos, e Cristina, que cumpre este sábado 50 anos, detinham uma empresa, a Aizoon, que serviria para canalizar fundos que a organização sem fins lucrativos Nóos, de Urdangarín (Cristina integrava o Conselho de Administração), conseguiria de contratos inflacionados com entidades públicas e governos locais. Segundo a acusação, tratava-se de uma "teia de facturação fictícia" fabricada por Urdangarín e pelo seu antigo sócio, Diego Torres, e que terá levado a um desvio de fundos públicos de até 6,2 milhões de euros.
Em conformidade com uma lei de 1987 sobre a atribuição de títulos a membros da família real espanhola, o rei Felipe VI decidiu "revogar a atribuição a Sua Alteza a infanta dona Cristina a faculdade de usar o título de duquesa de Palma de Maiorca", um título que a irmã do rei ostentava desde 1997, quando se casou com Iñaki Urdangarín.
Num decreto publicado a 26 de Setembro de 1997, o então rei Juan Carlos concedeu à sua filha Cristina o título de duquesa de Palma de Maiorca "com carácter vitalício", por ocasião do casamento com Urdangarín, como demonstração do seu "profundo afecto e carinho".
Na decisão publicada esta sexta-feira no Boletim Oficial do Estado, o rei Felipe VI invoca o Artigo 6.º do Decreto Real 1368/1987 para retirar à sua irmã Cristina o título de duquesa de Palma. Nesse artigo lê-se que "o uso de títulos de nobreza, pertencentes à Casa Real, só poderá ser autorizado pelo titular da Coroa aos membros da sua família", e sublinha também – tal como o decreto em que o rei Juan Carlos concedeu o título a Cristina – que "a atribuição dos referidos títulos terá carácter gracioso, pessoal e vitalício".
A infanta Cristina garante que foi ela quem tomou a iniciativa de renunciar ao título de duquesa de Palma, mas a Casa Real diz que a irmã do rei enviou um e-mail já depois de ter sido informada da decisão. O advogado da infanta, Miquel Roca i Junyent, disse que a carta foi enviada para o Palácio da Zarzuela (morada oficial do rei) no início de Junho.
Uma versão contrariada pelo jornal El País, que cita "fontes da Casa Real", sem especificar: "A carta de renúncia chegou ontem [quinta-feira] à Zarzuela por correio electrónico, depois de o rei ter comunicado à infanta Cristina a sua decisão de lhe retirar o título."
A revogação do título de duquesa de Palma não significa que Cristina de Borbón perca o seu lugar na sucessão ao trono. Como explica o diário El País, a decisão de renunciar aos direitos de sucessão dinástica "permanece nas mãos de dona Cristina".
Quando se tornou rei de Espanha, há um ano, Felipe VI comunicou a alteração na composição da família real – a partir desse momento, a família real iria resumir-se aos novos monarcas, Felipe e Letizia; às filhas do casal, Leonor e Sofia; e aos pais do novo rei, Juan Carlos e Sofia. As infantas Elena e Cristina deixaram assim de fazer parte da família real, passando a ser tratadas como familiares de Felipe VI – mas não perdem o título de infantas porque são filhas de um rei.
Desafio real
Quanto mais o caso de corrupção protagonizado por Iñaki Urdangarín queimava a família real, mais a infanta Cristina insistia numa estratégia de fuga para a frente, nunca admitindo qualquer envolvimento e queixando-se de estar a ser condenada na praça pública por toda a gente – Justiça, cidadãos, media e, pior do que tudo, pela sua própria família.
Até que hoje, quando falta pouco para o início do julgamento (a data certa ainda não foi marcada), a infanta chegou à beira do abismo.
Ainda se discute se será mesmo julgada, juntamente com o marido e com o antigo sócio deste, Diego Torres (que enfrentam penas de 19 anos e 16 anos e meio, respectivamente), mas o facto de ter sido o primeiro membro da família real a ser acusado num processo judicial já era uma marca impossível de apagar.
Foram várias as pressões da Casa Real para que Cristina reconsiderasse a sua estratégia – depois de ter sido afastada das actividades da família real pelo pai, em finais de 2011, não entrou na lista de convidados para a proclamação do seu próprio irmão, em Junho do ano passado.
Durante este tempo, o Palácio da Zarzuela deu todos os sinais a Cristina para que ela renunciasse ao título de duquesa e também ao seu direito à sucessão, mas a infanta nunca deu qualquer passo nesse sentido – nem quando o seu marido pediu desculpas públicas, logo em 2011, pelo "prejuízo" causado à Casa Real por causa das suas "actividades privadas", nem quando foi avisada pelo rei Felipe VI de que lhe iria ser retirado o título de duquesa de Palma, nos últimos dias.
Pouco mais lhe resta agora do que esperar pelo julgamento, assinalar este sábado o seu 50.º aniversário sem razões para festejar, e ver ao longe as comemorações do primeiro ano de reinado do seu irmão, na sexta-feira da próxima semana.