Privatização da TAP: Governo aposta tudo em dois candidatos

A poucas horas da entrega de ofertas, a única certeza é de que a corrida não ficará deserta. Neeleman e Efromovich estão em Lisboa, decididos a avançar, mas vão guardar o jogo até ao fim.

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Candidatos têm até às 17h desta sexta-feira para apresentar uma proposta Daniel Rocha

Neeleman e Efromovich, que deixaram de ter acesso a nova informação sobre a empresa desde que fechou o processo de consulta, na segunda-feira, estão em Lisboa. O primeiro foi recebido nesta quinta-feira pelo Governo. O segundo fez-se representar pelos advogados num encontro do mesmo tipo que decorreu no Ministério das Finanças, na passada quarta-feira.

Não houve debate sobre os detalhes das propostas que cada um tenciona apresentar nesta sexta-feira, até às 17h, mas houve espaço para pedir esclarecimentos sobre o caderno de encargos e aquelas que são as grandes preocupações destes investidores: a posição dos socialistas sobre a venda e a instabilidade laboral que a companhia vive. O executivo acredita que desfez as maiores dúvidas, mas o risco da operação ninguém poderá eliminar por completo.

Ainda na quinta-feira, o secretário-geral do PS voltou a falar sobre a privatização, acusando o Governo de “puro radicalismo ideológico” e considerando que este ainda vai a tempo de “emendar a mão”. Mas as declarações mais fortes, que causaram sérias preocupações aos candidatos, foram feitas na semana passada, quando António Costa veio garantir que, se chegar ao poder no Outono, “tudo fará” para reverter a venda da transportadora aérea.

E se, em 2012, a oposição do PS já se fez sentir, agora estas palavras ganham outra força. Embora o Governo pretenda escolher o vencedor e assinar o contrato até 30 de Junho, muito dificilmente a operação, que ainda fica dependente da aprovação dos reguladores, estará concluída até ao final da legislatura, o que deixará nas mãos dos socialistas, se vencerem as eleições, a decisão de fechar ou não o negócio. E o caderno de encargos prevê a possibilidade de a venda ser suspensa até à transferência das acções para o comprador privado.

Nas reuniões com os dois candidatos, o Governo tentou passar a mensagem de que muito dificilmente o PS vai passar à prática as ameaças que tem vindo a fazer. Mas tanto Neeleman como Efromovich preferiam que aquela alínea do caderno de encargos simplesmente não existisse. Ou que houvesse um consenso político que lhes desse mais garantias sobre o desfecho desta privatização.

Posição do PS causa apreensão
Nesta sexta-feira, em declarações na Assembleia da República, o secretário de Estado dos Transportes veio confirmar que a posição do PS é vista com apreensão pelos investidores. "Um dos motivos que causou perturbações foi o risco de haver uma decisão unilateral do Estado no futuro que pudesse pôr em causa o investimento", afirmou, explicando que, nestes processos, "a demonstração que é necessário fazer de que têm capital para investir tem um custo" para os candidatos, pelo que o risco não pode ser assumido com leveza.

No que toca à segunda grande preocupação, os encontros no Ministério das Finanças serviram para transmitir a ideia de que a recente greve de dez dias convocada pelo sindicato dos pilotos, embora longa e penalizadora para os cofres da TAP, não teve uma adesão muito elevada. Com isso, o Governo quis tranquilizá-los sobre a eventual contestação que possa surgir no seio da empresa relativamente à passagem para as mãos de privados.

"Demos as respostas que entendemos úteis", disse o secretário de Estado dos Transportes em declarações aos jornalistas, preferindo não detalhar mais os esclarecimentos prestados, mas confirmando que houve reuniões com os potenciais candidatos nos últimos dias, embora sem se referir aos nomes de Neeleman e Efromovich.

Se as mensagens chegaram ao destino com o propósito esperado, não se sabe. Até porque estes dois investidores estão a guardar o jogo até ao fim. Sabendo que podem ficar sozinhos na corrida, não querem sequer assumir que vão avançar, embora essa probabilidade seja muito elevada. Se um deles desistisse, a proposta do outro seria necessariamente muito menos apelativa para o Estado português, que já espera um encaixe praticamente nulo com este negócio, fruto da elevada dívida da empresa.

E, no meio deste enredo, há ainda a possibilidade de surgir um terceiro candidato, já que o empresário português Miguel Pais do Amaral continua a ponderar se formaliza uma proposta. Há outro investidor nacional que pode aparecer a jogo, embora integrado num consórcio: Humberto Pedrosa, presidente do grupo Barraqueiro. E falta ainda confirmar o afastamento da Gol e o alinhamento que será assumido pelas três empresas de capital de risco (Apollo, Cerberus e Greybull) que também pediram ao Governo para aceder a informação sobre a venda da TAP.

Interesse público para seguir com a venda
Há outras variáveis nesta privatização que têm deixado os investidores apreensivos. Especialmente a situação financeira da TAP, que acumula uma dívida superior a 1000 milhões de euros e cujos capitais próprios são negativos em mais de 500 milhões. As negociações com os credores bancários serão fundamentais para garantir a desejada estabilidade aos compradores.

Por outro lado, há uma providência cautelar a correr no Supremo Tribunal Administrativo, em conjunto com uma acção principal que visa suspender a eficácia do caderno de encargos. O Governo procurou na quinta-feira antecipar-se a uma decisão judicial e aprovou em Conselho de Ministros uma deliberação que fez chegar de imediato aos juízes, ainda antes de terminar o prazo para a entrega de propostas de compra, em que invoca o interesse público para prosseguir com a operação.

Era um passo esperado e ao qual o executivo até já recorreu noutras ocasiões, como aconteceu recentemente com a providência cautelar movida pela Câmara Municipal de Lisboa para impugnar a concessão a privados da Metro de Lisboa e da Carris. Mas ainda será necessário esperar pela decisão do tribunal sobre os argumentos do Governo, já que nada garante que não seja antes favorável à autora da acção – a Associação Peço a Palavra, que está ligada ao movimento Não TAP os Olhos.

Mas, independentemente de todas estas variáveis, parece quase certo que, ao contrário do que aconteceu em 2012, a companhia de aviação chegará às 17h desta sexta-feira com mais do que uma oferta de compra em cima da mesa. E, por isso, a probabilidade de uma das propostas satisfazer o Governo aumentará significativamente, até porque ainda haverá um momento para negociação com cada um dos investidores antes da escolha do vencedor.

Neste processo, à semelhança de privatizações anteriores e seguindo os preceitos legais, não contará apenas a palavra do Governo na escolha do vencedor. Também a administração da TAP terá de se pronunciar sobre o projecto estratégico proposto e haverá igualmente pareceres da Parpública e da comissão de acompanhamento da venda, liderada pelo economista João Cantiga Esteves. Este último comité também é responsável por divulgar um relatório sobre a operação, em que avaliará nomeadamente o cumprimento das regras de transparência.

Uma corrida intensa pela TAP
No entanto, esta corrida não será nada pacífica. As últimas horas têm mostrado que o executivo terá de ser muito cauteloso nas suas decisões. Há, por exemplo, candidatos que admitem impugnar o negócio, se não forem cumpridas todas as regras, nomeadamente as normas comunitárias que impedem que investidores de fora da Europa controlem empresas da União Europeia. Efromovich pediu a nacionalidade polaca desde que tentou concorrer pela primeira vez à TAP, mas não se sabe ainda como irá Neeleman ultrapassar esse obstáculo.

Por outro lado, o dono da Avianca tem um óbice que o fundador da Azul não carrega. A forma invulgar de agir de Efromovich deixou marcas no passado, tanto que, volvidos dois anos sobre a primeira tentativa de privatização da TAP, o empresário optou por ser muito mais discreto, recusando-se inclusivamente a falar com jornalistas. E o facto de a sua proposta ter sido rejeitada uma vez também não joga a seu favor, até pelo motivo alegado na altura: a ausência das necessárias garantias financeiras.

Tanto Neeleman como Efromovich poderão ser benéficos à TAP. Não só porque a companhia precisa com urgência do dinheiro fresco que estes têm para lhe oferecer, mas sobretudo porque os seus negócios no sector da aviação são complementares à transportadora aérea portuguesa. É natural que, se ficarem com a companhia, queiram fazer ajustes à operação, mas só o futuro dirá que consequências poderão advir dessa estratégia.

De uma forma ou de outra, com ou sem venda a privados, a companhia de aviação teria sempre de passar por uma reestruturação algo profunda, que os prejuízos de 85,1 milhões de euros em 2014 só vieram evidenciar. Se o Estado decidisse pedir autorização à Comissão Europeia para injectar dinheiro na empresa, seria obrigado a acompanhar essa solicitação de um plano de cortes que afectaria rotas, frota e número de trabalhadores. 

Esse será necessariamente o plano B do executivo, para o caso de a segunda tentativa de venda da TAP fracassar. Mas um cenário deste género seria altamente penalizador para uma companhia de aviação que já se encontra muito fragilizada. Na quinta-feira, o ministro da Economia deixou um último aviso aos candidatos: “Espero que seja um processo competitivo e que, sendo um processo competitivo, se assegurem as melhores condições para o desenvolvimento da TAP, para a capitalização da TAP, para o desenvolvimento da TAP e também para a valorização da empresa”. Com Maria Lopes

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