Um Picasso é a obra de arte mais cara do mundo vendida em leilão
Pablo Picasso destrona Bacon e Munch com Les Femmes d'Alger (version O). Escultura de Giacometti também bate recorde e torna-se a mais valiosa de sempre no mercado leiloeiro.
As expectativas criadas em torno do leilão que levou à praça 35 lotes “dignos dos melhores museus”, como escrevia segunda-feira a agência de notícias AFP, foram assim cumpridas. Looking Forward to the Past, organizado por Loic Gouzer, juntou Picasso e Warhol, Basquiat e Monet, Rothko e Magritte. Estimava-se que as peças, da escultura à pintura e criadas entre 1902 e 2011, pudessem, se vendidas na totalidade, atingir a marca global de 885,7 milhões de euros – uma quantia nunca vista numa só venda segundo a Artprice, a empresa de referência no que toca à informação e estatística sobre o mercado das artes. O balanço final: 626 milhões de euros no total do leilão, ficando apenas um lote por vender.
O ambiente na sala da Christie’s de Nova Iorque, em Manhattan, condizia com o grau de expectativa e com a importância do momento. Houve gritos, houve quem arquejasse e a agitação tomou conta da sala quando o Picasso que representa um harém foi arrematado em apenas 11 minutos por um valor nunca atingido por uma pintura em leilão. Cinco clientes digladiaram-se por Les Femmes d'Alger (version O) assim que ela atingiu os 106 milhões de euros (a base de licitação era de 89 milhões). Estavam a licitar por telefone, relata o diário americano New York Times, “por vezes em licitações agonizantemente lentas de um milhão de cada vez”.
Ainda assim, a estimativa da leiloeira (124 milhões de euros) foi batida e um comprador cujo nome não é conhecido, mas que era representado na sessão por Brett Gorvy, o director internacional da Christie’s para a arte contemporânea, ficou finalmente com a preciosa pintura de 1,14X1,46 metros. Uma das últimas obras de Picasso na posse de coleccionadores privados, diz a leiloeira, e que fora pela última vez à praça em 1997, altura em que a pintura dos coleccionadores Victor e Sally Ganz foi vendida por uns bem mais modestos 28,4 milhões de euros. “É um preço para algo único. Não se pode substituir uma pintura como esta”, comentou o negociante de arte Thomas Bompard ao diário americano.
Parte de uma série de 15 obras (identificadas pelas letras de A a O pelo então septuagenário Picasso e executadas em 1954 e 55) cubistas de cores vibrantes, “é uma pintura absolutamente blockbuster – é uma das pinturas mais excitantes que vimos no mercado nos últimos dez anos”, disse à BBC o fundador e presidente da consultora e investidora de arte Fine Art Fund Group, Philip Hoffman. Para trás fica a marca atingida por Bacon com o seu tríptico Três Estudos de Lucian Freud, que por seu turno batera a quarta versão de O Grito, de Edvard Munch. Três Estudos de Lucian Freud é agora a segunda obra de arte mais valiosa em venda em leilão, seguida pela escultura de Giacometti e depois pelo emblemático Munch. O top 5 é rematado por Nu au plateau de sculpteur, de Pablo Picasso.
A Christie’s bateu o seu próprio recorde: foi a mesma leiloeira que, em Novembro de 2013, vendeu o tríptico de Bacon que representava o seu amigo e pintor Lucien Freud por 106 milhões de euros (o Munch tinha sido vendido em 2012 por 89 milhões de euros). E vendeu ainda muito mais obras neste grande leilão que abarcava impressionismo, arte moderna ou contemporânea, como L'homme au doigt (1947-51) do suíço Alberto Giacometti, uma delicada escultura em bronze de 1,77m da qual só existem seis no mundo, que foi comprada por 112 milhões de euros, falhando por pouco a estimativa de preço máximo da leiloeira e sendo disputada apenas por dois licitadores, escreve o New York Times.
O peso dos museus
Picasso e Giacometti estavam já no topo de todas as listas relacionadas com esta venda. Além de terem importantes obras representadas no leilão, eram os primeiros autores de trabalhos com estimativas de venda acima dos 106 milhões de euros a ir à praça em simultâneo. E do pintor espanhol houve ainda Buste de Femme (Femme à la Résille) (1938), que superou as expectativas e se vendeu por 59,8 milhões.
Além das superestrelas, outras ascenderam a novos valores: Le Couple (L’Accolade) (1924) de Max Ernst rendeu 8 milhões de euros, Bluewald (1989) de Cady Noland bateu um recorde para a artista atingindo os 8,6 milhões, Nº 36 (Black Stripe) de Mark Rothko saiu por 35,5 milhões.
Alguns dos compradores foram representados por responsáveis da leiloeira, conhecida pela sua capacidade de atrair – e oferecer garantias – peças de grande valor e licitadores abastados em várias partes do mundo, nomeadamente na Ásia, onde despontam novos coleccionadores. Particulares ou instituições, visto que, como disse à AFP Thierry Ehrmann, presidente da Artprice, atraem “muitos clientes [de] museus” e dados os preços em causa, os coleccionadores privados “não podem competir”. Este ano, estima Ehrmann, abrirão 720 novos museus de peso internacional.
E depois há os investidores, aqueles que adquirem obras de arte sobretudo como uma forma de jogo no mercado financeiro. “Não vejo que [a tendência] acabe em breve, a não ser que as taxas de juro caiam abruptamente, o que não vejo que aconteça no futuro próximo”, disse à BBC o negociante de arte nova-iorquino Richard Feigen. Em 2014, o mercado leiloeiro no sector das artes bateu o seu próprio recorde, terminando o ano com receitas de 13,4 mil milhões de euros.
Uma resposta ou tributo ao romântico Eugène Delacroix, autor de Women of Algiers (1834) e pintor que fascinava Picasso, mas também relacionada com a morte do seu amigo Henri Matisse, encantado pelo Oriente, Les Femmes d'Alger (version O) fica na história do mercado da arte. Pelo menos até ver o seu recorde batido.