Para onde foi a melancolia?

Nunca um eventual sentimentalismo se sobrepõe à escrita, mas a arquitectura também nunca é menos que um território de emoções

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Nuno Cera

Publicado numa editora de Zurique, a Park Books, e resultado da tese de doutoramento apresentada por Diogo Seixas Lopes na ETH, em 2013, Melancholy and Architecture. On Aldo Rossi coloca-se no plano da “internacionalização” que tem sido um mote do discurso político em Portugal, no mundo académico e empresarial. Ainda é cedo para saber se os objectivos desta demanda vão ser atingidos. Os passos estão dados. Mas enquanto obra teórica, Melancholy and Architecture. On Aldo Rossi é já um acontecimento.

Com sentido de oportunidade, Seixas Lopes recupera um arquitecto que nos anos 1990 e até meados da primeira década do século XXI foi proscrito como pós-modernista e entendido como um caso perdido. Também na arquitectura, os esquecidos de hoje podem ser os celebrados de amanhã e vice-versa. Este livro chega num momento em que existe uma maior receptividade a Rossi e Seixas Lopes utiliza uma metodologia recorrente na teoria da arquitectura contemporânea: usa um tema “exterior” — a melancolia, neste caso — para avançar para dentro da investigação disciplinar.

A estrutura e a escrita deste livro, em inglês, são claras e comunicantes. Não há qualquer hesitação neste domínio. O autor percebe muito bem que quanto mais complexo é o tema, maior legibilidade é devida. Só deste modo entramos com segurança num conceito como o de melancolia, aqui tratado com referência a Aristóteles, Dürer, Burke, Baudelaire, Benjamim, entre outros. E também só desse modo podemos deambular com pertinência no universo fantasmático de Rossi, aqui representado por Arquitectura da Cidade e Autobiografia Científica, livros que descrevem, aliás, o itinerário da cultura arquitectónica da época: do voluntarismo e sentido público dos anos 1960 para um programa de um “eu” algo apocalíptico nos anos 1980. O caso de estudo apresentado — o Cemitério de San Cataldo, em Modena — era praticamente obrigatório porque é onde a arquitectura, a melancolia e Aldo Rossi confluem, quase a um modo tautológico.

A estratégia de Melancholy and Architecture. On Aldo Rossi é por isso bem pensada, habilmente executada, e profundamente conseguida. Nunca um eventual sentimentalismo se sobrepõe à escrita; mas a arquitectura também nunca é menos que um território de emoções.

O que resulta deste livro é ainda um elogio à melancolia, como dispositivo de percepção aguda do mundo. O que é talvez mais estranho à cultura actual do que as formas da arquitectura de Rossi. Toda a arquitectura contemporânea se move no quadro da performance visual ou do activismo entendido como crítica a esse domínio da visualidade. Mas há pouca dúvida, nenhuma metafísica, como aquela que acompanhava Rossi por reflexo dos “enigmas” de Giorgio de Chirico. A arquitectura move-se ocupando os idiomas actuais — a imagem ou o que é entendido como o seu oposto, a sustentabilidade e a programação — em última análise sem nenhuma melancolia; como registos de uma tecnocracia que já está profundamente assimilada.

Os formalismos arquitectónicos de Rossi foram muitíssimo seguidos e copiados, no seu tempo, e são agora um capítulo aparentemente fechado. Mas a melancolia que Rossi traduz em textos e numa arquitectura obsessiva, onírica e terminal, e que este livro analisa de modo brilhante, parece ser algo ainda mais remoto.

Aos fantasmas que Rossi evoca, de Boullée até Loos, acrescenta-se agora o fantasma do evocador. Este livro de Diogo Seixas Lopes trata de uma melancolia sobre a melancolia e coloca-nos, embora sem nostalgia ou recriminação, num território a sul onde esse sentido de perda, de memória e de culpa, foi erradicado pela produtividade e pragmatismo do norte.

Bem sei que Portugal só paira na epígrafe, retirada do Livro do Desassossego. Como uma cortina antes do espectáculo começar. Por isso mesmo ainda é mais intrigante como este livro nos diz respeito directamente, como nos interpela e comove.

O lançamento do livro em Portugal será feito na Livraria A+A, na sede da Trienal de Arquitectura de Lisboa (Campo de Santa Clara, 145), dia 15 de Maio, às 19h, com uma conversa entre Diogo Seixas Lopes, Bruno Gil e Filomena Molder.

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