Le Corbusier, visionário mas também fascista sem reservas?
Exposição no Pompidou ensombrada por três novos livros que recuperam os laços políticos e ideologia do arquitecto. “Descobri que ele era simplesmente um fascista sem reservas.”
abriu ao público em Paris na quarta-feira e os seus curadores Olivier Cinqualbre e Frédéric Migayrou negam ter obliterado a faceta política de Corbusier nesta exposição que, até 3 de Agosto, visa então focar o lado humanista do arquitecto com o corpo humano como prisma através do qual se olha a sua obra – “Ao desenhar os seus edifícios, incluía sempre um homenzinho, que recordava que o conjunto devia responder às proporções humanas”, explica Cinqualbre, citado pelo diário espanhol
El País. Dela fazem parte mais de 300 obras entre pintura, escultura, fotografia, mobiliário, cartas e escritos de Corbusier, mas os comissários frisam que a mostra “não aborda toda a obra do arquitecto”.
Confrontados com as perguntas e com os textos que se escrevem nos jornais franceses, os comissários argumentam que na mostra anterior dedicada ao profissional no Pompidou o seu lado político e simpatias totalitárias tinham sido já focados. Em 1987. O Pompidou anunciou entretanto a realização de uma conferência em 2016 que se dedicará ao pensamento de Le Corbusier no seu contexto histórico de trabalho na década de 1930 em colaboração com a Fundação Le Corbusier. Um dos peritos da fundação, Jean-Louis Cohen, reconhece que a pesquisa feita nos livros agora editados em França é exaustiva, mas é citado pelo diário britânico Telegraph dizendo-se “chocado por esta controvérsia” e classificando-a como “manipuladora”.
Le Corbusier, un fascisme français, do jornalista Xavier de Jarcy, recorda que o arquitecto se movia nos círculos nacionalistas em França e que os seus escritos na revista
Plans, que fundou com o líder do Partido Revolucionário Fascista Francês Pierre Winter, bem como a sua correspondência particular, mostravam que apoiava o nazismo anti-semita. Numa carta enviada à sua mãe, o arquitecto nascido Charles-Édouard Jeanneret-Gris na Suíça escreveu em 1940 sobre a “limpeza” iminente, de como “o dinheiro, os maçons e os judeus” iriam “sentir a lei justa”. “Estamos nas mãos de um vencedor”, diz - “Hitler pode coroar a sua vida com uma grande obra: o planeamento da Europa”. Xavier de Jarcy foi taxativo à AFP: “Descobri que ele era simplesmente um fascista sem reservas”.
Le Corbusier, une froide vision du monde, do arquitecto e professor universitário Marc Perelman, defende que o homem nascido em 1887 tinha uma visão “totalitária” que, exemplifica, fez com que os centros históricos das cidades se esvaziassem e se criassem comunidades suburbanas, segregadas e frias. A sua influência na política de planeamento urbano em França durou décadas, e a associação entre a sua ideologia e o seu traço autoral tem de ser feita, defende Perelman.
“O culto do ângulo recto,
o ódio à curva e à desordem, o gosto pelo fabrico em série e pela standardização” que o distinguiam, junta-se o filósofo Roger-Pol Droit, ou as referências constantes à necessidade de “higiene social”, recorda Mark Antliff, autor de Avant-Garde Fascism: The Mobilization of Myth, Art and Culture in France (2007), na France 24.
Já em Un Corbusier do arquitecto François Chaslin passa-se em revista o período em que França esteve ocupada pelos nazis e o autor recorda que Corbusier trabalhou com o governo de Vichy – que lhe deu um escritório no Hotel Carlton - durante grande parte da II Guerra, algo que era já conhecido pela sua ligação ao marechal Philippe Pétain, chefe de Estado entre 1940 e 44. Mas Chaslin diz ainda ter descoberto “desenhos anti-semitas” da autoria do arquitecto. E o Libération cita ainda a sua proximidade com o médico e Prémio Nobel Alexis Carrel, para cuja fundação Le Corbusier trabalha entre 1942 e 44, e que era um defensor e aplicador da eugenia. Mas Corbusier demite-se em Abril de 1944 – “o espírito ali reinante não me cai bem”.
Em 2012, numa entrevista ao Le Temps, Jean-Louis Cohen lembrava que Corbusier cresceu “num meio conservador onde um certo anti-semitismo de classe era banal” e que o arquitecto era uma mistura de “cinismo e ingenuidade, grande versatilidade, umas vezes do lado soviético [tentou trabalhar para a Rússia], outras do lado da Itália fascista [onde também não conseguiu ter obra], o que sinaliza que se identificava com poderes fortes”. “Mas fazer dele um antisemita consciente” com base em citações sem contexto era algo que considerava “leitura mal intencionada e muita ignorância”. Para o perito, podemos sim dizer que “Le Corbusier era um oportunista”.
Também Mark Antliff, da Universidade de Duke, nos EUA, admite à France 24 que a polémica não é nova. “As ligações de Le Corbusier a grupos sindicais com orientações fascistas é há muito tema de discussão no campo da história da arquitectura. Mas muita desta literatura tem sido anglo-americana, o que pode explicar por que é que não chegou ao grande público em França.” A sua associação a grupos fascistas não se reduz ao colaboracionismo com o governo de fachada em França nem à relação com Pierre Winter. Apoiou grupos reaccionários nas décadas anteriores à II Guerra como o movimento Faisceau, não tinha simpatia por povos nómadas e referia-se muitas vezes à necessidade de “higiene social”, recorda Mark Antliff, autor de Avant-Garde Fascism: The Mobilization of Myth, Art and Culture in France (2007).
“Nada disto é novo” reitera o presidente da Fundação Le Corbusier, Antoine Picon, citado também pelo El País. “A sua correspondência”, fonte da análise dos livros agora editados, “está disponível há mais de 20 anos. Durante algum tempo admirou Mussolini e viajou até Itália na expectativa de ter encomendas [de trabalho], mas também repetiu várias vezes que não era fascista e que nunca foi tentado pelo nazismo”.
Voltemos a 1944. O Libération lembra, a partir dos novos livros, que com a vitória dos Aliados, Le Corbusier escreve que “a página virou” e tentará diluir o seu percurso durante a guerra, alegando que foi sim vítima de Pétain. Conseguiria concretizar muitos dos seus projectos mais célebres e os seus tratados tornam-se referência. No Verão de 1965, morria afogado no Mediterrâneo e seria sepultado com honras de velório no Louvre e exéquias por André Malraux, então ministro da Cultura.