Será que o Porto ainda quer o Bairro do Riobom?

Seminário vai discutir propostas para o futuro do bairro esquecido nas escarpas do Douro, onde só se entra depois de passar a linha férrea e onde já nem o carteiro entra.

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FernandoVeludo/nfactos
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Ao Bairro do Riobom não chega quem quer, mas quem o procura. Encavalitado na escarpa portuense sobre o Douro, é preciso embrenhar-se no Bairro dos Moinhos, ignorar o sinal que diz que é proibido atravessar a linha do comboio, cruzá-la e abrir o portão que está do outro lado. É ali que vivem ainda mais de 20 pessoas, que dizem já nem conhecer o dono das casas, que não pagam renda e, em muitos casos, não pagam luz nem água. Ambulâncias não chegam ali, o carteiro deixou de ir ao bairro levar as cartas, deixando-as num estabelecimento comercial das imediações, o futuro é uma incógnita.

Com excepção de Conceição Guimarães e de um morador brasileiro, a comunidade do bairro é oriunda de Cabo Verde. Famílias que chegaram ali há décadas, encaminhadas por conhecidos, que lhes apontavam o local onde havia um tecto sem precisarem de pagar renda. Os que puderam, fizeram obras nas antigas construções, aproveitaram os pedaços de terra da escarpa e plantaram couves, alfaces, favas e cebolas. Tomás cria cabras e galinhas, Acácio tem coelhos.

Conceição, 71 anos, também tem uma nesga de terra, de onde já espreitam algumas favas e couves. Mas o que lhe dá a terra não chega para compensar a tristeza do espaço a que chama casa. São quatro paredes de cimento cobertas com uma chapa. Lá dentro há uma televisão e um frigorífico, coisas amontoadas por todo o lado, um sofá que espreita de debaixo de uns sacos, garrafões de água que o vizinho lhe dá, um balde que serve de quarto-de-banho. “É complicado. Já tenho chorado muito. Trabalhei no Hotel Nave muitos anos. Ia a casa das minhas colegas e via-as bem… E aqui há quem tenha umas casinhas mais ou menos”, diz. Não é o caso dela, admite. E, por isso, ainda que goste do sítio, do canto para plantar e do sossego de uma comunidade pacata, admite que saía se lhe dessem uma alternativa. Diz mesmo que já pediu casa à câmara várias vezes, mas a vez dela ainda não chegou. “Eu farto-me de procurar, mas as rendas são muito caras”, diz.

Acácio é vizinho de Conceição e hesita em encontrar uma resposta quando lhe perguntam o que lhe faz falta ali. A mulher anda a pedir-lhe que ponha tijoleira no chão da casa, diz, mas ele não o vai fazer por enquanto. Os acessos também são um problema, admite, já houve quem morresse antes que o socorro pedido conseguisse sequer aproximar-se do local, conta. Ainda assim, afirma: “Não quero sair daqui”. E nem o facto de as três netas terem de se arriscar a atravessar a linha do comboio para irem passar o fim-de-semana com os avós (o que adoram, garante ele), o faz mudar de ideias. “Aqui é um sítio muito sossegadinho. Não há aquela coisa dos estupefacientes, da droga, nem pessoas que bebem demais. Eu quero é ficar aqui. Tenho um bocadinho de terreno, cultivo as minhas coisas. Se tiver de pagar renda, a vida complica demais”, diz.

O rendimento, para ele e a mulher, ronda os 320 euros. Acácio questiona como iria encontrar um local assim sossegado, em que a renda não lhe levasse todo o rendimento e onde pudesse continuar a ir ao “quintal” buscar um bocado de cana do açúcar para trincar quando lhe apetece.

É o mesmo sentimento que expressa o sorridente Tomás, enquanto vai contando que trabalhou nas Minas da Panasqueira, teve restaurantes abertos na cidade e acabou ali, num quadro de cimento por casa e com as cabras e galinhas rodeadas de lixo, mas uma vista impagável sobre o Douro. “Eu lutei pela vida, mas nunca saí do sítio”, diz. “Não gosto muito de bairro, para bairro não queria ir. Quero mexer nas minhas coisas, quero comer umas coisinhas minhas, vir à horta. E o dinheiro é pequenino”, conta.

O antropólogo Fernando Matos Rodrigues, do LAHB Social, apoio com convicção esta vontade de permanência no Bairro do Riobom. À semelhança do que já tem defendido para outros núcleos urbanos da cidade, acredita que era possível construir ali habitação básica para os moradores, incentivar as hortas, abrir novos acessos e criar pequenos negócios que voltem a incluir o Riobom na cidade. Para isso, defende, é preciso esclarecer a questão da propriedade do espaço e espera que o seminário organizado para este sábado possa trazer respostas para o futuro da comunidade.

O Seminário do Riobom – A cidade e o direito à Habitação / Regularização jurídica de habitações precárias está agendado para a Junta de Freguesia do Bonfim e contará com a presença do vereador do Urbanismo da Câmara do Porto, Manuel Correia Fernandes. O vereador da Habitação, Manuel Pizarro, também consta da lista de presenças, mas fonte da autarquia garantiu ao PÚBLICO que ele não estará presente e que o município “não tem nada a ver” com a possibilidade de se recorrer à figura de usucapião para tentar definir um dono para o bairro.

Uma versão que contraria a de Matos Rodrigues, que garantiu ao PÚBLICO que tanto a câmara como a junta da freguesia estão empenhadas nessa possibilidade. José Manuel Carvalho, autarca do Bonfim, diz que irá ao seminário na “expectativa” de ver o que ali se discute. “A junta procura colaborar em tudo aquilo que possa resultar na melhoria das condições de vida das pessoas da freguesia, pelo que vamos estar presentes na expectativa das conclusões que se extraiam do seminário”, afirma.

Ainda assim, ressalva o presidente da junta, o futuro do Riobom poderá estar condicionado por outros interesses. “Aquela área está integrada num estudo que a câmara está a fazer, e que condiciona muito tudo isto, sobre a possibilidade de se construir uma via panorâmica até aos Salesianos [Largo do Padre Baltasar Guedes]”, explica o autarca, numa referência à possibilidade já defendida por Correia Fernandes, no passado, de se poder prolongar a Alameda das Fontainhas.

Também o arquitecto António Jorge Fontes diz que irá ao seminário para discutir propostas. “Duvido sempre muito de certezas sobre projectos em áreas como esta”, disse ao PÚBLICO. O arquitecto. Ainda assim, defende que vale a pena olhar para a utilização que foi dada ao local nos últimos 40 anos, pensar em acrescentar-lhe “pequeníssimas indústrias” e, sobretudo, “abrir o espaço à cidade, mas com a consciência de encontrar uma solução que tenha em conta quem lá vive”.

No Riobom, os moradores sabem do seminário, mas não estão eufóricos com perspectivas de mudança. “Eu sou como o outro, é ver para crer”, diz Acácio.

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