“Se não se acredita que a participação política tem um efeito, para quê participar?”

Horacio Larreguy, professor em Harvard, veio a Lisboa apresentar a sua tese sobre o Alheamento deliberado dos cidadãos mais instruídos face à política. Em alguns regimes, um alto nível de formação pode fazer diminuir, e não aumentar, como se pensava, a participação eleitoral.

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Horacio Larreguy falou em Lisboa sobre ligação entre escolaridade e participação política Miguel Manso

Toda a literatura apontava para o efeito contrário, explica Larreguy ao PÚBLICO, já depois de ter passado pelo crivo da arguição, céptica, dos seus pares portugueses, no seminário organizado pelo centro Novafrica. “Julgamos que nas transições democráticas as coisas são complementares: o bem-estar económico e a educação levam à participação política. Que com algum desenvolvimento, as coisas chegam. O que este trabalho demonstra é que há alguma complexidade nisso. Não digo que isso não seja assim, de todo, mas há casos em que não se passa assim.”

O exemplo estudado por Larregy, e pelos seus colegas Kevin Croke, Guy Grossman e John Marshall, é o do Zimbabué, um regime autoritário que mantém, ainda assim, um processo eleitoral. A conclusão é clara. Os jovens, nascidos depois da independência (em 1980), que têm mais formação escolar que os seus pais - a maioria negra da população só acedeu ao ensino secundário e superior após o fim do regime de separação racial - são os que menos votam; os que menos contactam com os eleitos; os que menos intervêm nas assembleias locais; e os que menos questões levantam publicamente. São, ainda, os que menos acreditam no processo democrático.

É a essa forma de desistência que Larreguy chama de “alheamento deliberado”. O que significa duas coisas, não necessariamente contraditórias: “Ou é dissidência ou é a consciência de que as pessoas não têm qualquer voz.” Estes jovens “têm educação, têm consciência, têm pensamento crítico, mas pensam que a sua participação não tem impacto e decidem não participar politicamente para não dar legitimidade ao processo”, continua o economista que há vários anos trabalha sobretudo na área da Ciência Política. “Se não se acredita na possibilidade de uma mudança, participar politicamente passa a ter um custo demasiado elevado. Se não se acredita que a participação política tem um efeito, para quê participar?”

Contudo, apesar de o estudo se centrar no caso do Zimbabué, Larreguy assegura que este fenómeno “não é específico a um país”. Por isso tentamos perceber se o mesmo se pode passar, por exemplo, num país democrático europeu sujeito a uma forte pressão externa, e com reduzida margem de soberania. Larreguy sorri, e evita falar sobre Portugal, que até Maio esteve sujeito a um programa de intervenção da troika. Mas responde com Espanha. “O meu feeling diz-me que é de esperar que haja um nível elevado de desilusão entre os jovens mais qualificados. É o que se passa em Espanha, com o Podemos. São pessoas educadas, académicos, e estão a acarinhar esse preciso descontentamento. É natural, e isso vê-se, que a juventude esteja desencantada e com uma participação política menor em muitos países europeus. O que aconteceria àqueles eleitores espanhóis se não existisse o Podemos? Talvez se abstivessem. Mas estou a falar fora da minha zona de conforto…”

Antes de estudar o alheamento político das elites académicas em países como o Zimbabué, Larreguy realizou um outro trabalho cujo alcance também ultrapassa as fronteiras do caso de estudo (neste caso, o México): O papel dos media na prevenção da corrupção. O trabalho deste hispano-argentino, publicado no ano passado, demonstra que “quanto menos meios de comunicação tivermos a denunciar escândalos de corrupção antes das eleições, menor será a probabilidade de os políticos corruptos serem penalizados nas urnas”.

A pergunta seguinte é óbvia: os meios de comunicação social ajudam a prevenir a corrupção? Larreguy não dá logo uma resposta directa, mas assume, ao fim de alguns segundos, que “sim”. “Se os políticos antecipam que existe uma possibilidade de os cidadãos virem a conhecer pelos media um escândalo de corrupção, têm mais probabilidade de não se envolver nesses esquemas. Ou seja, há estudos que o demonstram, a mera hipótese de virem a ser revelados os escândalos faz com que os políticos temam aceitar subornos.”

Será nesse frágil terreno que várias democracias europeias estarão em jogo, nos próximos tempos. Com o espectro de uma abstenção significativa, e com a sombra de uma alta percepção da corrupção, o “alheamento deliberado” pode vir a revelar-se uma explicação mais próxima geograficamente do que deixa antever o caso sul-africano debatido na Universidade Nova.

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