Os cidadãos à procura da política
Estamos a discutir as presidenciais porque isso, pelo menos, parece ser um acto político e parece ter um cheirinho de oposição.
Porque é que contamos votos para 2016 e não juntamos as vozes em 2015? Porque é que discutimos uma coisa que ainda não aconteceu e que não temos razão para recear que seja uma catástrofe, em vez de discutirmos as catástrofes reais que estão a acontecer diariamente debaixo do nosso nariz, das privatizações de empresas públicas à destruição da escola e da investigação, da privatização da saúde à destruição da segurança social? Porque é que deixamos passar alegremente as declarações assassinas de Passos Coelho e de Paulo Portas sobre a necessidade de “reduzir o custo do trabalho” para as empresas portuguesas – maneira encapotada de dizer que os salários devem ser ainda mais baixos – para nos prendermos com as tontices menores de Sérgio Sousa Pinto sobre um candidato presidencial? As razões estão longe de ser boas, mas a verdade é que existem.
A primeira razão para o interesse prematuro que as eleições presidenciais despertam consiste no facto de essa ser, neste momento, a única coisa política que existe para discutir. Não que não haja temas nem razões diárias para discutir política. O que escasseia são os litigantes nessa discussão, as propostas em cima da mesa e, mais ainda, a defesa firme de uma posição. Faltam ideias e faltam campeões dessas ideias. As arenas onde tudo isto devia acontecer estão quase vazias. O que falta é o PS a fazer oposição e a dizer claramente o que quer e a mostrar que quer algo muito diferente do que o Governo faz. O que falta é o resto da esquerda a mostrar que quer pôr em prática outra política e não apenas enunciá-la. A política tem horror ao vazio e os cidadãos também e, na falta das grandes batalhas exaltantes que devíamos estar a travar, escolhem as batalhas menores, qualquer coisa que lhes dê a sensação de estarem vivos. António Costa não percebe isto e decidiu fazer seu lema a triste boutade de Seguro: “Qual é a pressa?”. Costa não percebeu que o tempo de fazer oposição é já, como não tinha percebido que tinha de sair da Câmara de Lisboa para ser líder do PS, como não tinha percebido que devia desafiar Seguro antes que ele transformasse o PS numa reunião Tupperware. Estamos a discutir as presidenciais porque isso, pelo menos, parece ser um acto político e porque parece ter um cheirinho de oposição e até pode estimular a oposição. Costa tem toda a razão do mundo quando diz que as presidenciais podem esperar, mas só tem sentido dizer isso se fizer oposição entretanto, se em cada momento denunciar os malefícios da governação e apresentar as alternativas necessárias que defende. Se as presidenciais entram na agenda do PS só depois das legislativas, se o programa de Governo do PS vai ser apresentado em Junho e se entretanto o PS vai para banhos deixando o campo aberto à propaganda do Governo, temos boas razões para nos interrogar se existe realmente um pensamento político alternativo no PS ou apenas um leve enfado por estar na oposição.
Outra boa razão para darmos esta atenção às presidenciais são os pobres media. Os pobres media que vivem aterrorizados perante a ideia de referir nem que seja de fugida uma ideia que não saia dos partidos do “arco da governação”, com medo de serem acusados de fazer política (o que significa que só raramente referem uma ideia de esquerda). As televisões percebem que é escandaloso ter três peças onde aparece Pedro Passos Coelho, mais um especial com Pedro Passos Coelho em directo durante vinte minutos, mais dois comentadores do PSD a falar de Pedro Passos Coelho, mas não têm coragem ou capacidade para fazer outra coisa. As presidenciais são um maná. Pode falar-se de pessoas evitando cuidadosamente qualquer substância política e explorando apenas sound bites e insinuações de ciúmes. Faz-se presidenciais para não fazer outra coisa, porque não há outra coisa para fazer e porque não se quer fazer outra coisa.
Outra razão ainda é o facto de terem surgido vários independentes na pré-corrida e, no actual estado de degradação dos maiores partidos, este será, com razão ou sem ela, um factor de esperança para uma parte considerável do eleitorado. O interesse pela presidenciais é também um sinal da desgraçada reputação dos políticos do costume. O facto não é preocupante em si, mas é preocupante que os partidos (com o PS à cabeça) tenham dado mais uma vez um sinal da sua graça, tentando projectar lama em todas as direcções.
Finalmente, há outra boa razão para falar de presidenciais. É que as presidenciais vão ser o momento onde nos veremos livres daquele espectro que assola a política e que nos envergonha tanto ou mais do que PPC. E isso, só por si, é uma boa notícia. E estamos precisados de boas notícias. Nem que seja só daqui a um ano.
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