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"Ninguém sai do lugar! Mochilas no chão!"

Em Sintra, confunde-se prevenção com repressão.

Este é o esclarecimento público que foi prestado pela direcção do Agrupamento de Escolas Monte da Lua relativamente a uma verdadeira rusga com militares da GNR acompanhados de cães treinados na detecção de estupefacientes que entraram no dia 23 de Fevereiro, pelas salas de aula da Escola Secundária de Santa Maria, na Portela de Sintra.

O relato de uma aluna, transcrito pelo pai no blog Jugular, afasta inequivocamente o fim da sensibilização anunciado pela direcção do agrupamento: "O polícia entrou na sala de aula sem avisar. E disse: 'Ninguém sai do lugar! Mochilas no chão! E mãos em cima da mesa!' Depois esperámos uns dez minutos, sem nos mexermos e sem dizer nada, havia colegas minhas assustadas, ficámos ali que tempos com as mãos em cima da mesa sem saber o que fazer. Depois entraram uns cães e cheiraram tudo. O polícia saiu mais os cães e nós ficámos com caras de parvos, sem saber o que fazer. Lá fora, viemos depois a saber, estavam várias carrinhas da polícia a revistar toda a gente, o X foi revistado e foi assim em todas as salas. E noutras escolas do agrupamento também. Foi um bocado assustador, pai, e nem sei bem para que serviu um aparato daqueles."

Segundo o blog Tudo sobre Sintra, a direção do agrupamento acrescentou ainda  que “a intervenção decorreu conforme o previsto e sempre na presença de um elemento da direcção, que acompanhou os agentes, cuja atitude foi de grande cordialidade e simpatia, explicando sempre previamente o objectivo da acção”.

É enorme a gravidade da atuação desta direcção escolar, que, sem aviso prévio aos pais e sem objectivamente justificar os motivos de uma medida tão drástica e generalizada, transformou o universo escolar à sua guarda, que deve ser um espaço de liberdade e cultura, num território de atemorização e repressão. E seguramente não vale o argumento que esta medida visou proteger a segurança dos alunos cumpridores da lei, na linha da máxima “quem não deve, não teme” e que promove um imparável crescimento do Estado com a sistemática aceitação da diminuição das liberdades em nome do espantalho da insegurança e da delinquência. Porque para ser tomada uma medida tão grave que configura uma generalizada violação dos constitucionais direitos de privacidade dos alunos tinha de haver uma situação de violência ou de criminalidade que a justificasse e não, como foi referido pela direcção do agrupamento, uma mera intenção de “sensibilizar a comunidade escolar para os problemas inerentes ao consumo de substâncias ilícitas”. Não é assim que se sensibiliza. Assim, intimida-se e reprime-se.

Não se ignora que o território escolar é, hoje em dia e muitas vezes, também um espaço perigoso de pré-delinquência ou mesmo de delinquência, mas uma operação deste tipo só se poderia justificar caso houvesse suspeitas sérias da existência da prática generalizada de crimes e nunca ao abrigo de uma “acção de sensibilização” do Programa Escola Segura.

Clara Viana, a 28 de Março, aqui no PÚBLICO, publicou um excelente trabalho sobre o assunto sob o título O dia em que a GNR entrou com cães nas salas de aula de uma escola de Sintra, em que refere que a directora do agrupamento Lourdes Mendonça afirmou que os alunos estavam a ser acompanhados pelo serviço de psicologia da escola e que se tratou de “uma acção preventiva”!

Isto é, não foi qualquer situação grave existente de violência ou de delinquência na escola que esteve na origem da brilhante decisão desta direcção escolar. Será que todos os membros da direcção do agrupamento concordaram com a operação policial? E com o facto de a mesma ser ocultada aos encarregados de educação, demonstrando não só a vontade de surpreender/atemorizar os menores mas, sobretudo, a falta de confiança nos pais dos mesmos?

Quem tem lugares de responsabilidade e de poder deve saber distinguir prevenção de repressão, deve saber que o poder tem de ser exercido com parcimónia e ponderação, tendo em conta todos os direitos e valores em jogo, deve saber que os interesses do Estado, que interpretam e representam transitoriamente, não pesam mais do que os interesses dos cidadãos, nomeadamente as suas liberdades e direitos. E deviam saber que os jovens que lhes estão confiados não devem, na sua escola, ser gratuitamente confrontados com a vertente repressiva do Estado à revelia dos encarregados de educação.

Advogado

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