O equilíbrio impossível
O PS só poderia aspirar a ganhar eleições com maioria absoluta se estivesse disponível para mobilizar a população portuguesa em torno de um projecto de negação consequente da austeridade.
Não é, certamente, um problema de falta de carisma ou de habilidade para a manobra política, como supostamente acontecia com António José Seguro. Costa provou largamente à frente da Câmara de Lisboa, ou mesmo em cargos governativos e parlamentares, ser um peso-pesado da política portuguesa. Trata-se de um mal muito mais profundo que afecta de forma letal o percurso de qualquer dirigente da área da social-democracia contemporânea — o grande envolvimento com a política neoliberal e a impossibilidade de encontrar um projecto alternativo.
Os acontecimentos mais recentes provam-no com particular eloquência. Costa cavalgou a vitória do Syriza na noite eleitoral de 25 de Janeiro, provocando reacções azedas num determinado sector, e aproveitou o encontro com investidores chineses para destilar uma tirada direitista que deveria conter esses mesmos danos. Na realidade acabou por provocar a ira e mesmo o abandono de elementos conotados com a ala mais à esquerda do partido.
Eis as verdadeiras dificuldades do PS. Em tempos normais o silêncio e o ziguezague ao sabor das manchetes que vão atraindo as atenções seriam suficientes para ganhar eleições, até com maioria absoluta. Que o digam Barroso, Guterres ou Sócrates (para não falar de Cavaco) que se limitaram a aproveitar o clima de insatisfação em relação aos seus antecessores com uma vaga promessa de mudança. Mas o período que vivemos não é certamente o da “normalidade” e o da pura gestão das expectativas com o objectivo de as manipular. A fractura e a ruptura predominam nas grandes opções da vida política nacional e internacional e o PS entende-se mal com isso.
Veja-se o exemplo da Grécia. Entre os ditames da austeridade imposta pela União Europeia e a política de confronto do Syriza não resta espaço para aproveitar. Ou se está de um lado ou do outro. Não há terceira via e o desaparecimento do Pasok resulta da escolha óbvia pela austeridade. O acordo assinado por Tsipras e Varoufakis com o Eurogrupo, que a direita europeia se apressou a denunciar como uma derrota do Governo grego, tem de ser enquadrado no processo de esgotamento da capacidade negocial no quadro do euro com o objectivo de o desmontar.
O Syriza foi eleito com uma grande maioria no pressuposto de que tentaria aplicar o seu programa no quadro do sistema da moeda única, decorrendo daqui que a ruptura só será uma hipótese a partir do momento que ela se revele inevitável e, portanto, aceite pela opinião pública grega. E é esse jogo dinâmico que está lançado no terreno: entre os desejos de capitulação (que muitos vaticinam à direita, mas também alguns anseiam à esquerda com objectivos diversos) e a hipótese de expulsão sumária do euro, resta a iniciativa para manter o apoio permanente dos eleitores e reforçar a política de distanciação face ao actual sistema, estimular mudanças eleitorais noutros países (Espanha, Irlanda, Portugal,…) e reclamar alterações que as circunstâncias podem ou não acomodar.
A grande lição é clara. O PS só poderia aspirar a ganhar eleições com maioria absoluta se estivesse disponível para mobilizar a população portuguesa em torno de um projecto de negação consequente da austeridade, correndo todos os riscos que daí pudessem decorrer, incluindo o confronto com as instituições da União Europeia, reestruturação da dívida, saída do euro ou violação das regras do tratado orçamental. Mesmo que o resultado final não fosse necessariamente esse.
Neste sentido António Costa é um player derrotado deste jogo: as estratégias que sugere não envolvem os compromissos que poderiam assegurar credibilidade na luta contra a capitulação e a aceitação da austeridade. Esses compromissos terão de fazer o seu caminho na esquerda, no pressuposto de que a maioria da população portuguesa começa a revelar grande impaciência com a falta de uma alternativa eficaz e mobilizadora que ultrapasse o equilíbrio impossível apontado pelas sugestões mais convencionais.
Professor da Universidade de Coimbra