Líder da ANMP acusa Governo de fazer um ataque “gravíssimo” ao poder local

O autarca de Coimbra disse aos congressistas que os municípios “têm sido exemplares no combate ao défice público e na redução do endividamento”, num remoque aos resultados do Governo.

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Rui Gaudêncio

“Este será o congresso da defesa da democracia, da defesa do projecto constitucional democrático que Portugal não pode abandonar no século XXI. Este será o congresso da afirmação inequívoca da capacidade das autarquias para desempenhar uma nova família de funções para promoverem o desenvolvimento económico e social do país”, proclamou o socialista, que lidera a Câmara de Coimbra.

Manuel Machado aproveitou o palco do congresso para desferir críticas violentas ao Governo de Pedro Passos Coelho, acusando-o de estar a fazer um “ataque gravíssimo à autonomia do poder autárquico democraticamente eleito”, que “perturba o funcionamento das câmaras municipais e menoriza a sua acção” e que “coloca em causa direitos humanos como a água, trocados por um espírito mercantilista inadmissível”.

“É um ataque grave porque impede as autarquias de agirem com eficácia e de terem a imprescindível capacidade de resposta para acorrerem às necessidades das populações e para executarem com eficácia competências este novo ciclo de políticas autárquicas”, declarou o presidente da ANMP.

Na abertura oficial do XXII Congresso da Associação Nacional de Municípios Portugueses, que decorre no Centro de Conferências de Tróia, sob o lema “Afirmar Portugal com o Poder Local”, Manuel Machado acusou o Governo de ter assumido e desenvolvido “um protagonismo centralista que conduziu a uma intervenção agressiva por parte do poder central, tendo por justificação a crise económica financeira”. “Com a justificação da troika, invocou ‘razões de Estado’ para impor restrições económicas e financeiras absurdas e contraproducentes que, ao degradarem a autonomia do poder local, o desconsideraram e o tornaram menos útil”, denunciou.

O também presidente da Câmara de Coimbra não se desviou das críticas que tem vindo a fazer publicamente ao Governo e na reunião magna dos autarcas carregou nas tintas, afirmando que “este ataque à autonomia do poder local foi feito pervertendo o que deveria ser a justa repartição dos recursos públicos, constitucionalmente consagrada” e “através de alterações aos limites de endividamento municipal introduzidas em diversos orçamentos de Estado”.

Este ataque – prosseguiu – “foi feito na isenção concedida pelo Governo a impostos e taxas que constituem receita municipal; pelas obrigações de redução dos recursos humanos e pela proibição de recrutamento de pessoal; pela redução do número de dirigentes municipais, pelas restrições às formas de organização das estruturas dos serviços” e também pela forma como a Lei dos Compromissos colocou em causa a autonomia da gestão municipal”. A sala respondeu pela primeira vez com uma salva de palmas.

O líder da ANMP apontou depois alguns do “entraves” que o executivo coloca à concretização de um “novo ciclo de políticas autárquicas”, revelando que “as comunidades intermunicipais e as áreas metropolitanas viram reduzidas em 40% as suas receitas a transferir pelo Orçamento do Estado em 2015”. “A questão é que tal acontece precisamente naquele que é apresentado como o último ano em que podemos executar as derradeiras verbas do QREN [Quadro de Referência Estratégico Nacional] e no primeiro em que há avisos para os concursos de novo quadro de fundos europeus, o Portugal 2020”, disse Machado, considerando que “nada disto é racional, nada disto faz sentido”.

“É preciso falar verdade aos portugueses”, proclamou o autarca, avisando que “os autarcas, que são representantes eleitos dos cidadãos, nunca aceitarão reduzir os seus munícipes a meros índices estatísticos, mas sempre os assumirão como dignos cidadãos, como pilares base de um sistema político que se deseja igual, fraterno e livre”.

Sobre o novo quadro de fundos europeus, o presidente da associação de municípios deu nota da preocupação dos autarcas e disse que “o potencial transformador dos investimentos que estes fundos poderão proporcionar depende muito da saúde, da bondade e da lisura com que irão decorrer as relações entre as autarquias e o poder central, nomeadamente, através das comissões de coordenação de desenvolvimento regional”. E a este propósito, observou que “não vale a pena iludir o essencial: o funcionamento das CCDRs melhoraria muito se estas fossem dirigidas por eleitos”.

Declarando que os “municípios são o verdadeiro ministério da solidariedade deste país”, o líder da ANMP reclamou, por isso, mais meios para o poder local “levar a cabo estas funções que desempenham melhor – e têm de ter autonomia para o fazer!”. E atirou: apesar de os “municípios serem hoje exemplares no combate ao défice público, na redução do endividamento (redução em cerca de 30%), e da diminuição do montante de pagamentos em atraso (redução em mais de 70%), as autarquias locais são hoje as entidades da Administração Pública mais fiscalizadas e mais controladas. Não há em Portugal, titulares de cargos políticos mais fiscalizados que os eleitos locais”. Estava dado o recado.

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