Seis Nações: Cinco ideias após a 4.ª jornada

A Inglaterra surgiu com um sistema revisto e bem mais equilibrado, Gales relançou a competição com uma merecida vitória

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1 - “Devíamos ter marcado seis”

Entre as muitas significativas qualidades de Stuart Lancaster, encontramos a da honestidade intelectual. A qual se manifesta nas singelas, respeitosas e humildes (sem resvalar para a falsa modéstia) asserções analíticas do pós-jogo. Desta feita, Lancaster lamentou as oportunidades perdidas frente à Escócia, revelando, em jeito de desabafo, que “ficaram seis ensaios por marcar”. Entre os quais, seguramente, os dois anulados por passes para a frente, perfeitamente evitáveis. Com 12 quebras de linha, é fácil concordar com Lancaster, embora a defesa em recuperação escocesa tenha sido fenomenal, com destaque para o sempre bem posicionado Hogg, que trabalha e comunica excepcionalmente com os seus pontas (melhor Seymour do que Fife neste particular). Burrell, que se não for por falta de tempo perderá inevitavelmente o seu lugar para Barritt ou Tuilagui, tem de assegurar que, perante o defesa e com os dois pontas em linha de recuperação (repare-se na inteligência de Hogg e Seymour, evitando que ocupem os dois o mesmo espaço), faz o passe para Watson ou lança-o ao pé. Da mesma forma, Nowell tem de garantir que perante Hogg liberta para um dos três apoios (losango perfeitamente formado). A Inglaterra tem melhorado, mas parece-nos que os avanços em determinadas áreas correspondem a retrocessos noutras, algo possivelmente ligado à entrada de gente jovem. Em termos atacantes, 2014 foi o ano em que Lancaster e Catt introduziram a estrutura de duas linhas, que conferiu uma largura inaudita ao “XV da Rosa”. Com o jogo ao pé um pressuposto do arsenal inglês, 2015 seria o momento de conjugar na perfeição todos os recursos, mas os ingleses continuam muito dependente de uma estratégia apenas para cada jogo. Youngs e, sobretudo, Ford, parecem capacitados para implementar qualquer plano. Em termos defensivos, a Inglaterra que perde demasiada largura defensiva (ou abre demasiados espaços entre homens exteriores) por causa da velocidade de linha, que apareceu em França em 2014, e ressurgiu a espaços contra a Itália este ano, deu lugar a um sistema defensivo com menos de “wolfpack” de Gustard nos Saracens; agora, temos Ford a recuar sistematicamente para o lugar de defesa, com Youngs na zona intermédia, os pontas integrados na pressão da linha defensiva e Mike Brown a cobrir as respectivas subidas. Sistema revisto e bem mais equilibrado, implementado contra a Escócia depois da “abada” neste particular no Aviva Stadium.

2 - Um dilema chamado Owen Farrell

Não escondo a preferência por Ford ou até Cipriani, em vez do pé infalível mas jogo mecânico de Farrell. Contudo, Lancaster poderá ser obrigado a rever a sua escolha. Não porque Ford tenha desiludido na sua ideia de construção do ataque: a Inglaterra leva 11 ensaios marcados, quase o dobro da Itália (espantemo-nos) com seis e em segundo nesta lista. Aliás, a capacidade para jogar “em cima” e “dentro” da defesa transformou esta Inglaterra. Contudo, se – e apenas se – os Ingleses continuarem a falhar na execução e na decisão sob pressão, Lancaster poderá ter de recuperar o modelo “minimalista” de posse e território, com o “pack” a espremer as faltas necessárias para a vitória. E neste panorama, os 75% de eficácia de Ford não terão qualquer tipo de hipótese face ao inerrante Owen Farrell. Com muita pena minha...

3 - A (pouco) surpreendente e muito merecida vitória galesa

250 placagens, um record no torneio. Os comentadores têm dito que Gales fez à Irlanda aquilo que a Irlanda fizera uma semana antes à Inglaterra. Entende-se a ideia, mas Gales fez algo diferente. Se a Irlanda lançou os seus pontos fortes aos pontos fracos ingleses (o jogo no ar), Gales superou a Irlanda onde esta se preza de ser forte: no jogo ao pé, na defesa, no alinhamento (este aliás, um dos pontos aparentemente mais débeis de Gales). Um vitória de uma defesa heroica, mas também a derrota de quem teve território e posse para fazer melhor. Foi, aliás, surpreendente ver que na fase mais famosa do jogo, em que a Irlanda faz 22 fases, não conseguiu uma única vez, e nos 22 metros atacantes, montar uma estrutura atacante larga para penetração no espaço, limitando-se a passes e penetrações simples, sempre no perímetro curto, com os galeses sempre na linha defensiva, com um placador muito baixo e um apenas um “assist”. Fica o resultado, merecido, que abre a competição.

4 - O meio campo irlandês

Uma derrota não reduz uma boa equipa à condição de má. A Irlanda tem um excelente “pack”, dois médios de classe mundial e um três de trás competitivo. Mas viu, de uma assentada, Brian O’Driscoll pendurar as botas e Gordan D’Arcy sentir o peso dos anos. Um par de médios, sobretudo BOD, que permitiam uma muito maior eficácia na decisão e execução do jogo nos canais médios. Henshaw e Payne são dois excelentes jogadores, mas a Irlanda deixou de jogar com eles. Como dizia Conor O’Shea e bem, não é verdade que a Irlanda jogue apenas ao pé. Contra a Inglaterra, Sexton fez 18 passes e 9 pontapés; Connor Murray 93 passes e 17 pontapés. A questão é que a Irlanda deixou de marcar ensaios ou de criar perigo através de penetrações e continuidade nos canais médios e largo. Tem quatro, incluindo um de penalidade, dois marcados por avançados e um por Henshaw, numa bola apanhada do ar. Um sinal da lateralização que tomou conta da equipa, e que será, por certo, objecto de análise pelo excelente Schmidt.

5 - Das exibições não reza a história... felizmente, je crois

Que dizer do jogo em Roma? A França venceu, depois de 2 visitas à cidade eterna em que saiu derrotada, e voltou aos ensaios. Mas o jogo foi tenebroso, de parte a parte, e os franceses mostraram apenas que quando os avançados querem, conseguem impor-se fisicamente a qualquer equipa. Assim suceda em Twickenham, este fim-de-semana. Boa estreia do n.º 8 Loan Goujon, que trouxe à equipa a capacidade de progressão que tem falta com Chouly.

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