O caso da mutilação genital feminina
Todos os anos, 300.000 mulheres morrem de causas relacionadas com a gravidez e o parto, uma em nove raparigas casar-se-á antes de completar 15 anos.
Evoco, assim, todas as mulheres, raparigas e meninas cujas vozes são sistematicamente silenciadas e cujos direitos humanos e liberdades fundamentais são sucessivamente negados. Mulheres e raparigas em todo o mundo que são vítimas de discriminação e violência nas suas mais variadas formas, colocando-as numa posição de fragilidade e de pobreza, o que é intolerável nas sociedades de hoje.
De facto, os números apelam à ação. As mulheres constituem mais de metade dos pobres a nível mundial, das vítimas civis de guerras e conflitos, dos 781 milhões de adultos e 126 milhões de jovens que não sabem ler nem escrever, dos 2,5 milhões de novos infetados do VIH. Além disso, todos os anos 300.000 mulheres morrem de causas relacionadas com a gravidez e o parto, uma em nove raparigas casar-se-á antes de completar 15 anos, maioritariamente em regiões do Sul e Sudeste asiático, em África e na América do Sul.
Numa altura em que a comunidade internacional discute a nova agenda do desenvolvimento pós-2015, torna-se essencial refletir de que forma iremos conceber um novo paradigma de cooperação que assuma claramente a centralidade das pessoas e dos direitos humanos no processo de desenvolvimento e coloque a questão do género como uma prioridade fundamental dos futuros objetivos de desenvolvimento sustentáveis.
Esta tem sido uma questão essencial na cooperação portuguesa, alinhada com o novo Conceito Estratégico de 2014-2020. De referir, ainda, a recente publicação de um documento de posição nacional sobre a Agenda pós-2015 — promovido pelo Camões, IP com o contributo de todos os ministérios setoriais e representantes da sociedade civil — em que Portugal assume, uma vez mais, a defesa de uma abordagem assente nos direitos humanos e em que as questões da igualdade de género, da prevenção e do combate à violência doméstica e de todas as formas de violência contra as mulheres, raparigas e meninas surgem de forma inequívoca como objetivos essenciais no futuro enquadramento do processo de desenvolvimento, a par da promoção da educação e do acesso à saúde, nomeadamente a saúde sexual e reprodutiva.
Num esforço constante de trabalhar mais e melhor em prol deste desenvolvimento, Portugal tem procurado associar-se a parceiros internacionais com os quais exista uma forte convergência de interesses, sendo exemplo disso o especial relacionamento que existe, há vários anos, entre a cooperação portuguesa e o Fundo das Nações Unidas para a População (FNUAP). Através da parceria com esta organização das Nações Unidas, o nosso país tem, efetivamente, cofinanciado e participado em projetos muito importantes para as populações nos domínios da saúde materna e neonatal, saúde reprodutiva e planeamento familiar, combate à mutilação genital feminina e, mais recentemente, combate à prática dos casamentos precoces. Grande parte destas ações tem também beneficiado do extraordinário contributo de organizações da sociedade civil.
No caso concreto da mutilação genital feminina (MGF), Portugal constituiu um grupo de trabalho que integra representantes institucionais de vários ministérios setoriais, ONG, associações de imigrantes e, ainda, a CPLP e a OIM, sendo este grupo responsável pela execução dos planos nacionais que têm como objetivo contribuir para a eliminação da prática da MGF/excisão. O Camões, IP integra este importante grupo de trabalho em representação do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), estando neste momento a colaborar no III Programa de Ação para a Prevenção e Eliminação da Mutilação Genital Feminina que se enquadra no V Plano Nacional de Prevenção e Combate à Violência Doméstica e de Género.
A priorização de ações de prevenção e erradicação de práticas nefastas, e que condicionam o futuro individual, tem em atenção cada destino de entre os destinos das cerca de 3 milhões de meninas e raparigas no mundo que, em cada ano, estão sujeitas às práticas da mutilação genital feminina. Acredito que cada menina, que cada rapariga tem o poder de mudar a sua vida e contribuir para acabar com a pobreza no mundo.
Presidente do Instituto Camões