Cheirar um criminoso pode ser tão importante quanto vê-lo

Laura Alho, do Laboratório de Psicologia Experimental e Aplicada da Universidade de Aveiro, publicou um estudo que mostra que a memória olfactiva de uma vítima de crime violente pode ser mais importante que a visual

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Angus McDiarmid|Flickr

Uma investigação feita na Universidade de Aveiro sobre a identificação de odores corporais em crimes violentos está a suscitar o interesse nos meios forenses e policiais internacionais, disse fonte académica. O trabalho, realizado por Laura Alho no Laboratório de Psicologia Experimental e Aplicada (PsyLab) da Universidade de Aveiro (UA), despertou a atenção após a publicação na revista "Plos One" e levou ao estabelecimento de colaborações internacionais, nomeadamente com a investigadora Kate Houston, da Texas A&M International University (EUA), especialista em psicologia forense e colaboradora do FBI.

Os primeiros resultados experimentais revelam que uma vítima de um crime violento pode identificar o agressor pelo olfacto e que a memória olfactiva da vítima pode ser mais assertiva na identificação do criminoso do que a auditiva ou mesmo a visual. Cheirar odores de criminosos ajudou os participantes no estudo a identificar corretamente 75 por cento dos agressores, percentagem que deixa à distância, por exemplo, os 45 a 60 por cento das identificações correctas alcançadas em alguns dos tradicionais testemunhos oculares.

O trabalho de Laura Alho, orientado por Sandra Soares, Carlos Fernandes da Silva (investigadores do PsyLab) e Mats Olsson, cientista do Instituto Karolinska (Suécia), considerado um dos maiores especialistas mundiais do olfacto, envolveu a participação de 80 voluntários. Foram-lhes apresentados filmes reais de cenas de crime recolhidos por câmaras de segurança e de viaturas policiais e durante o visionamento dos filmes os participantes foram expostos continuamente a um dos odores corporais, previamente recolhido pelos investigadores entre outros 20 voluntários, com a informação de que este pertencia ao agressor envolvido na cena do crime.

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Sandra Soares e Laura Alho, responsáveis pelo projecto de investigação da UA DR

O trabalho da investigadora envolveu depois uma segunda fase, em que foram observados os procedimentos usados em trabalhos sobre testemunhos oculares, com a informação dada ao participante de que o odor podia estar ou não presente no alinhamento. Quando questionados sobre a qual de cinco odores estiveram sujeitos durante o visionamento dos filmes, a grande maioria dos participantes sujeitos a imagens de crime acertaram no cheiro em causa.

"Os resultados revelaram que, quando o odor alvo estava presente [no alinhamento de cinco odores dados a cheirar aos participantes] o acerto na identificação foi de 75 por cento", afirma Laura Alho. Apesar do testemunho ocular ser amplamente considerado em tribunais de todo o mundo, sendo conhecido como a "prova rainha", existem vários casos de indivíduos condenados injustamente através de testemunhos oculares.

A investigadora admite que o testemunho olfactivo não permita, por si só, chegar a um veredicto correcto, mas acredita que "se vier a ser comparado com outras modalidades sensoriais e se se vier a provar cientificamente que tem menos falsas identificações" poderá vir a ser relevante em contexto judicial.

"Temos de ressalvar que, embora não possa ser usado como prova [porque o testemunho olfactivo não está enquadrado legalmente] pode ser usado como uma pista que leva à obtenção de provas", comenta Laura Alho. A situação que não é nova em relatórios criminais: "em casos onde a vítima tenha contacto direto com o ofensor, como em casos de crime sexual ou de agressão física, o odor corporal deste pode ser recordado pela vítima e a sua descrição pode estreitar a lista de suspeitos. Existem vários casos nacionais e internacionais que demonstram isso".

Apesar dos dados alcançados na UA "serem interessantes", salienta que "precisam de ser replicados noutros laboratórios e é necessário investigar a influência de determinadas variáveis no testemunho olfactivo, quer em contexto laboratorial, quer em contexto real".