A “cultura do doping” mantém-se no ciclismo

Uma comissão independente elaborou um relatório em que acusa a União Ciclista Internacional (UCI) de ter protegido Armstrong e de se ter preocupado mais com a imagem da entidade do que em erradicar o uso de substâncias proibidas.

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Reuters

O objectivo principal era investigar o doping no ciclismo e as formas como, nos últimos 30 anos, o desporto lidou com o problema. As conclusões, não poupam quase ninguém que ocupou posições de liderança na UCI. Ao longo das 227 páginas do relatório da CIRC, pode ler-se que os presidentes da entidade na década de 90 e no início deste século se preocuparam “mais com a imagem da UCI do que em erradicar o doping”. “No passado, a UCI sofreu gravemente com a falta de boa gestão e por certas pessoas tomarem decisões sozinhas”, acusou Brian Cookson, presidente da entidade máxima do ciclismo a nível mundial desde Setembro de 2013, ao divulgar o relatório.

Um dos casos analisados pela CIRC foi o de Lance Armstrong e a comissão não podia ser mais clara: “A UCI não averiguou se as alegações contra Armstrong eram, ou não, fundadas e recuou antes para uma posição em que qualquer ataque [ao ciclista] era um ataque ao ciclismo e à liderança [da entidade]”. O documento afirma que "houve um tratamento preferencial" ao antigo ciclista norte-americano que a UCI terá visto como a “figura ideal para o renascimento do ciclismo depois do escândalo com a Festina, em 1998", considerando que a nacionalidade de Armstrong abriu um novo continente ao ciclismo e a sua condição de sobrevivente a um cancro rapidamente "o transformou numa estrela”. “A UCI não conseguiu perceber que Armstrong, o herói que sobreviveu a um cancro e era um ídolo para os adeptos, tinha os mesmos direitos e obrigações.”

Segundo a CIRC, o atleta norte-americano foi autorizado em 1999 a entregar, com efeitos retroactivos, uma receita médica para evitar uma penalização no Tour, quando quatro dos 15 testes realizados acusaram consumo de corticosteróides. O relatório refere também que após regressar à competição, em 2009, Armstrong foi autorizado a competir na Austrália sem ter efectuado os testes necessários. Um especialista, terá mesmo revelado que alguns ciclistas pagavam um “imposto antidoping” para evitar testes.

Sobre o panorama actual da modalidade, o relatório cita um “respeitado ciclista profissional” que acredita que 90% do pelotão internacional ainda pratica o doping, ingerindo micro doses de substâncias proibidas e anabolizantes, quantidades pequenas o suficiente para não serem detectadas nos controlos. É ainda referido que a utilização de analgésicos ou medicamentos para a perda de peso “está difundida” e está a contribuir para casos de depressão e problemas alimentares. Produtos como o viagra ou “tabletes de cafeína”, que não constam na lista de substâncias proibidas, serão recorrentemente ingeridos pelos ciclistas.

Reagindo à divulgação do relatório, Lance Armstrong disse nesta segunda-feira esperar que a revelação da verdade contribua para um "futuro limpo" na modalidade. Em comunicado, o norte-americano reafirmou estar “arrependido de muitas coisas” manifestando o desejo de que os mais jovens possam competir sem ter de escolher dopar-se e mentir.

O holandês Hein Verbruggen, que presidiu à UCI entre 1991 e 2005, e é um dos visados no relatório, considerou, também em comunicado, que o documento comprova a sua inocência: "Estudei o relatório e estou satisfeito. Confirma o que sempre disse, que nunca houve encobrimento, cumplicidade ou corrupção no caso Armstrong, ou em qualquer outro." com agências

 

 

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