As hesitações de Madonna
No álbum lançado esta segunda-feira Madonna mostra-se mais relevante quando reflecte sobre o tempo ou expõe vulnerabilidade do que quando assume a sua costela mais festiva.
Mas previsível. Acontece muito com artistas na fase da carreira em que se encontra. No seu caso parece ter-se sentido dividida entre regressar à matriz estruturadora do seu passado, assumindo uma linha mais clássica, ou tentar acompanhar o presente mais instantâneo, seguindo coordenadas desenvolvidas por quem já a seguiu a ela e a quem abriu portas.
Dir-se-ia que no novo álbum não quis escolher, ou prescindir, de nenhuma dessas possibilidades, contando como habitualmente com algumas importantes colaborações como Diplo, Kanye West, Avicii, Nas, Chance The Rapper, Nicki Minaj ou Alicia Keys.
Em Hard Candy de 2008 tinha tentando acertar o passo com as movimentações da música urbana americana (R&B e hip-hop) e em MDNA com a música de dança para grandes massas, com resultados genericamente insatisfatórios. Agora volta a esses dois universos em algumas canções. Um campo que tem sido explorado pelas suas contemporâneas nos últimos anos (Rihanna, Cyrus, Swift, Gaga, Spears ou Minaj), sem grandes resultados, diga-se, com uma excepção – Beyoncé.
Na verdade aquilo que Madonna representou nas últimas décadas – a possibilidade de ser-se uma celebridade universal com poder de sedução transversal – está hoje diluído, nesta época de fragmentação e pulverização cultural, onde toda a gente não só pode ser um estrela por quinze minutos, como sê-lo para apenas quinze pessoas. Nem Beyoncé, nem West, ou Justin Timberlake, por exemplo, têm essa abrangência global.
Os tempos são outros. Madonna sabe-o. Talvez por isso o melhor do novo álbum acaba por ser as canções mais confessionais e reflexivas, expondo dúvidas de forma desassombrada, fazendo da vulnerabilidade a sua força.
É isso que acontece em canções como Body shop, Joan of Arc, Best night, Wash all over me ou Ghosttown, abordando as suas grandes obsessões – a religião, o sexo, o culto da celebridade e agora também a passagem do tempo, como num dos melhores temas, Veni vidi vici, com o rapper Nas na voz.
As canções mais conseguidas (são 19 no total na versão mais longa do álbum) respiram uma sonoridade contida, com climas mais ensombrados do que exaltantes, com o centro nevrálgico dos temas delineado de forma sóbria.
Já as canções mais próximas dos dois últimos álbuns (Living for love, Bitch i’m Madonna ou Devil pray são exemplos), onde tenta mostrar que continua atenta ao que se passa à sua volta e onde assume valores de produção mais garridos, acabam por resultar menos felizes. No fim fica a nítida sensação que teria ganho em ter criado uma obra bem mais económica.