De Pequim a Lisboa. Um longo caminho

No Dia Internacional da Mulher, as estatísticas e a vergonha obrigam-nos a acelerar o passo.

A estatística é uma ciência por vezes enganadora. É a velha história do bife ou da galinha. Uma empresa pode dizer que os seus trabalhadores ganham, em média, 1150 euros por mês, mas o “em média” é amiúde uma expressão bastante mentirosa. O mais provável é que nessa empresa os homens ganhem, em média, 1300 euros e as mulheres recebam, em média, apenas mil euros. Mas o “em média” outras vezes revela a realidade crua, tal como ela é, sem alisamentos estatísticos. No Dia internacional da Mulher, que se celebra hoje, somos bombardeados com uma catadupa de dados estatísticos que nos dão pouca ou nenhuma vontade de celebrar. E já lá vão duas décadas desde a Declaração de Pequim, em que 189 governos subscreveram um texto que professava, entre outras coisas, a “igualdade de direitos, oportunidades e acesso aos recursos, a distribuição equitativa das responsabilidades familiares entre homens e mulheres...”.

A Organização Internacional do Trabalho, por exemplo, diz-nos que, em média, o salário das mulheres corresponde a 77% do salário pago aos homens, e vaticina que, “ao ritmo actual e sem uma acção orientada, a equidade salarial entre mulheres e homens só será atingida em 2086, ou seja, dentro de 71 anos”. Isto é, quase um século depois da Conferência de Pequim.

E quando olhamos para o fenómeno a nível regional, o “em média” volta a escamotear a realidade. Há países que já deram um grande passo e estão na vanguarda. Portugal está a andar para trás. As estatísticas do Eurostat dizem que a disparidade salarial entre homens e mulheres diminuiu 0,9 pontos percentuais na União Europeia, para os 16,4%, entre 2008 e 2013. No mesmo período, Portugal registou o maior aumento na disparidade salarial, de 9,2%, para os 13%.

Estamos a falar de um fenómeno e de um país em que a discriminação de género se sobrepõe à diferenciação que existe a nível da educação e formação. Desde 1986, o número de mulheres matriculadas no ensino superior ultrapassou o dos homens. Mas as mulheres, mesmo quando chegam ao topo da carreira, continuam a ganhar menos do que os homens. Aliás, a aberração é tal que, à medida que subimos na hierarquia, o hiato salarial vai aumentando em vez de estreitar. Segundo as estatísticas da Pordata, na categoria dos profissionais não qualificados, o hiato não vai além dos 12%, valor que aumenta para 27,5% quando nos focamos só nos quadros superiores.

O Governo português já veio anunciar que pretende que as empresas passem a ter pelo menos 30% de mulheres nos seus órgãos de gestão, mas só a partir de 2018. Sendo que a adesão é voluntária e não imperativa. A Alemanha aprovou uma quota semelhante, mas já a partir do próximo ano, e países como a Noruega já há muito que legislaram sobre o tema. É caso para dizer que quem está mais atrasado deveria apressar o passo para que a estatística não nos continue a envergonhar.

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