Jihadistas raptam dezenas de cristãos em ataques no Nordeste da Síria

Pelo menos 90 habitantes de aldeias assírias terão sido capturados por combatentes numa região onde enfrentam uma ofensiva das forças curdas, apoiadas pelos bombardeamentos da coligação internacional.

Foto
Os assírios formaram a sua própria milícia no Iraque Safin Hamed/AFP

Segundo o Observatório Sírio dos Direitos Humanos, pelo menos 90 homens, mulheres e crianças foram levados durante a madrugada de Tal Shamiram e Tal Hermoz, duas aldeias assírias nos arredores da cidade de Hassaka, capital da província com o mesmo nome. A Rede de Direitos Humanos Assíria, com sede na Suécia, diz que a bandeira negra dos radicais foi içada nas aldeias.

Habitantes de Tal Shamiram disseram ao Observatório Sírio, uma ONG com uma rede de médicos e activistas no terreno, que ouviram membros do Estado Islâmico que comunicavam através de walkie-talkies dizer que tinham detido “56 cruzados”. Um activista da oposição em Hassaka afirma que foram levados da cidade 30 civis e 30 combatentes de uma milícia assíria, escreve o Wall Street Journal.

É a primeira vez que o grupo rapta um número tão grande de cristãos na Síria, depois de ter capturado milhares de soldados e membros de minorias, principalmente yazidis (comunidade etnicamente curda com um culto pré-islâmico) no Iraque, durante os avanços que levaram à conquista de várias zonas do país, incluindo a segunda maior cidade, Mossul, no ano passado. Ao mesmo tempo, centenas de milhares de iraquianos de vários grupos étnicos e religioso fugiram para o Curdistão iraquiano, no Norte do país, junto à Turquia.

De acordo com activistas citados pela BBC, os combatentes do Estado Islâmico atacaram uma série de aldeias na margem sul do rio Khabur. Habitantes das aldeias situadas na margem norte fugiram – uns 3000 puseram-se a caminho de Hassaka, cidade quase toda sob controlo de forças curdas, e Qamishli, junto à fronteira turca.

A rádio dos jihadistas, Al-Bayan, noticiou que foram capturadas “dezenas de cruzados”. Aparentemente, os homens foram levados para a montanha Abdul Aziz, enquanto as mulheres ainda estarão em Tal Shamiram.

Osama Edward, da Rede de Direitos Humanos Assíria, que tem familiares na região, contou à BBC que uma tia e um primo da sua mulher foram raptados. “A minha mulher tentou telefonar para a casa do primo e atendeu alguém que disse: ‘Isto não é a casa de Akram. Isto é a casa do Estado Islâmico.’”

Domingo, as Unidades de Defesa do Povo (YPG, exército do PYD, principal partido curdo da Síria) lançaram uma ofensiva na região, com o apoio aéreo da coligação liderada pelos Estados Unidos, e conquistaram várias aldeias e vilas. Segunda-feira, pelo menos 14 combatentes do grupo extremista foram mortos nestes avanços. As forças curdas iraquianas lançaram ao mesmo tempo ataques contra posições do Estado Islâmico do outro lado da fronteira para impediram os jihadistas de obterem continuidade territorial entre os dois países.

Na segunda-feira, depois de violentos combates em Tal Tamr, uma cidade próxima das aldeias assírias atacadas, os radicais destruíram parte de uma igreja antes de ocuparem o resto do edifício. A coligação internacional terá depois bombardeado a igreja, matando os combatentes no seu interior, diz a Comissão Geral da Revolução Síria, uma rede de grupos da oposição.

Nas últimas semanas, os radicais tinham ordenado aos assírios da região que retirassem as cruzes das igrejas e que pagassem jizya, um imposto referido no Corão e cobrado a todos os não muçulmanos que vivessem em zonas governadas por líderes islâmicos.

O rapto destes cristãos acontece uma semana depois de um grupo líbio que aderiu ao Estado Islâmico ter divulgado um vídeo onde são decapitados 21 cristãos coptas egípcios, civis que tinham abandonado o Egipto em busca de trabalho na Líbia. A Al-Jazira especula que estes novos raptos visem desviar as atenções dos recentes desaires militares do grupo, mas também é possível que a ideia seja negociar uma troca de detidos com as forças curdas.

Antes da revolta de 2011 contra o Presidente Bashar al-Assad e da guerra que se seguiu, os cristãos eram 10% dos 22 milhões de sírios. Os assírios, membros da Igreja Nestoriana do Oriente, eram uns 40 mil e concentravam-se precisamente na província de Hassaka, com comunidades mais pequenas em Damasco, Alepo e Homs.

Os radicais, árabes sunitas, matam todos os que se lhe opõem, mas atacam especialmente os grupos étnicos e religiosos diferentes. Curdos, turcomanos, cristãos ou yazidis têm sido vítimas de raptos em massa e massacres, com os homens decapitados ou cruxificados e muitas mulheres escravizadas. Os assírios também vivem na Turquia e no Iraque, onde serão um quinto de todos os cristãos.

Sugerir correcção
Ler 12 comentários