Tu não sabes nada

Não fazer sofrer é a única verdadeira lei. De resto, não há maneira errada de viver — nem certa

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Michaela Rehle/Reuters

Existe uma mania portuguesa — ou, quiçá, humana em geral — que parece ter uma tendência para identificar os procedimentos errados que “as pessoas”, esse conceito generalista e (in)útil, andam por aí a arriscar. E cai a culpa sobre um grupo que facilmente se identifica, com base exclusiva no idiota preconceito: o mal está nos pretos, ou está nas gajas que deviam ficar em casa a tratar das lides culinárias, ou está nos pintores que deviam arranjar um emprego a sério, ou está nos mariconços, ou está nos políticos que são todos uns corruptos – e aí vão eles, titubeantes, saltando de nenúfar em nenúfar do preconceito. Mesmo que não o reconheças ou aceites, tu também pareces ser peça determinante neste processo.

É interessante darmo-nos conta de que andamos por cá há duzentos mil anos — dará sequer para imaginar tão numeroso tempo? —, vagueando sobre um planeta que não é, nem nunca há-de ser, nosso. Tanta literatura, tanta arte, tanta política, tanta bondade, tanta ainda maior miséria: tanta, mas tanta gente. E, no fim, as perguntas fundamentais continuam a ser as mesmas: qual é o sentido da vida?, para onde vamos depois de morrer?, o que é o amor?, por que é que o Nilton é a referência do humor em Portugal?, por aí fora. Eis uma incoerência mortal: temos feito muito pela nossa espécie e, ao mesmo tempo, pouco alcançámos. Porque desrespeitamos outras formas de vida, porque achamos que nós é que estamos certos e que os outros são só erros que a evolução cometeu.

Convence-te de uma coisa: tu não sabes nada. Deixa o outro ser o que é, o que sempre foi. Deixa-o estar, deixa-o existir, fazer o que bem entender. Preocupa-te com o teu eu, que os outros eus também se conseguem amanhar. Neste lufa-lufa por uma civilização topo de gama, burocratizaram-se os bons modos. Fizeram-se nascer morais excedentárias para que a populaça não se descontrole. Haja, ao menos, o bom senso de não se ser demasiado civilizado, de não se lutar por um mundo carregado de proibições.

A liberdade tem de ser um estilo de vida. A liberdade e a cooperação são os caminhos para arrasar com a segunda lei da termodinâmica, segundo a qual tudo no universo caminha em direcção ao caos. Tu és a chave do fim do caos na tua vida —e ainda mais importante: na vida dos que te rodeiam. Especialmente se os deixares ser como são, melhor ainda caso os auxilies nessa demanda da liberdade de existência. Como diz David Christian, “não há nada mais poderoso que a aprendizagem colectiva”.

Acredita no que quiseres mas não te imponhas a ninguém. Autoritarismos sempre deram grossa caca — não acreditas? Larga a novela das nove e, para quebrar a rotina, abre as elucidativas páginas de um livro — ATENÇÃO: neste caso particular, Margarida Rebelo Pinto e 50 Sombras de Grey não contam como livros. Todas as regras são ficções. São invenções que, não raras vezes, não são práticas mas apenas utópicas — podemos apenas sonhar com elas, mas nunca as poderemos deitar ao terrreno porque são semente que não há-de florescer. Não fazer sofrer é a única verdadeira lei. De resto, não há maneira errada de viver — nem certa.

Já agora: eu não mando em nada nem em ninguém, portanto podes muito bem deitar estas palavras ao mato. Eu não sei nada. Mas lembra-te: tu também não.

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