Países lusófonos querem “viciar” as crianças em literatura
Durante uma semana, autores de diferentes origens repensam a literatura infanto-juvenil escrita em português. Angola, Moçambique, Cabo Verde e Brasil vão estar em S. Pedro do Estoril.
Por isso defende que é preciso “trabalhar no sentido de fazer entender que a literatura seja ela qual for é um meio indispensável para que cada um se relacione melhor com o outro e consigo próprio, e, no caso das crianças ou dos jovens, que cresçam como pessoas, como cidadãos e como seres humanos mais inteiros e mais felizes”. Há que lhes incutir o “vício” da literatura.
Nos três primeiros dias, os escritores António Torrado, Margarida Fonseca Santos, Isabel Minhós Martins, David Machado, Carla Maia de Almeida e os ilustradores André Letria, Danuta Wojciechowska e Catarina Sobral vão visitar escolas do concelho de Cascais e também algumas de áreas limítrofes.
Para José Fanha, “é fundamental insistir no desenvolvimento dos hábitos de leitura, que tem sido significativo, mas continua a necessitar de muitíssimo empenho institucional e trabalho na escola, junto da família e nos media”.
O também arquitecto realça o “excelente trabalho da Rede de Bibliotecas Escolares na promoção do livro e da leitura”, mas neste encontro quer centrar-se na literatura. “É necessário insistir na dignificação da literatura infanto-juvenil enquanto literatura maior. É preciso pensar nas formas de ultrapassar a pequena dimensão do mercado português e na dificuldade na profissionalização dos escritores”, diz. E deseja enriquecer a literatura em português com “os imaginários de outros países”, porque, entende, “estamos a privar as crianças de universos maravilhosos”.
Circulação de escritores
Presentes nos debates de dia 6, os de carácter mais internacional, vão estar Ondjaki (Angola), Ana Maria Machado (Brasil), Carmelinda Gonçalves (Cabo Verde), Maurício Leite (Brasil), Luís Carlos Patraquim (Moçambique), Adelice Souza (Brasil), Margarida Botelho (Portugal) e Ziraldo (Brasil), nos painéis intitulados "Da tradição oral à escrita de autor na África lusófona” (11h) e “A literatura infanto-juvenil brasileira como lugar de cruzamento de culturas diversas” (14h30). Um dia que começa com a comunicação de Marta Martins, “A leitura na formação dos professores” (10h), qualquer que seja a sua geografia.
Sobre “Edição, circulação, divulgação e mercado na literatura infanto-juvenil da lusofonia” (16h45) falarão Isabel Minhós Martins, José Oliveira e Pedro Reisinho.
O comissário quer ajudar a impulsionar a relação entre as editoras e os escritores dos vários países. E explica, por email, a escolha dos convidados: “Este é um 1.º encontro. Não pudemos nem devíamos convidar todos os escritores que gostaríamos de ter connosco, quer portugueses, quer dos outros países da lusofonia. Procurámos pessoas com prestígio e com experiência sólida que nos permitam estabelecer o arranque para um diálogo consistente e a aposta na procura de condições que permitam a circulação dos escritores, das práticas de relação dos escritores com escolas e bibliotecas e da circulação dos imaginários que constituem a extraordinária riqueza da literatura infanto-juvenil na língua portuguesa.”
E os apoios? “Não foi fácil encontrar os apoios necessários, mas conseguimos ter um painel de escritores e ilustradores que representam gerações diferentes e que constituem garantia de qualidade.”
Pedimos a José Fanha uma reflexão sobre o peso da ilustração nos actuais livros para crianças, com narrativas cada vez mais curtas ou mesmo ausentes. “Essa é uma das questões a discutir muito seriamente e sem qualquer espécie de preconceitos. Não podemos fugir de questionarmos a relação entre escrita-ilustração-narração.”
Crianças põem adultos a ler
Sobre a divulgação de livros para o segmento da infância e juventude, o poeta diz que “faz muita falta um espaço mediático dedicado a esta literatura”. Lembra que neste campo só existe a revista Malasartes. “E é muito grave, tanto quanto sei, não haver espaços sobre literatura infanto-juvenil nos jornais nem na televisão.”
Central em tudo isto é o papel da família na promoção da leitura e na abordagem da literatura, em que o escritor acredita poder também funcionar em sentido inverso, ser a criança a promover a leitura junto do adulto: “Esta é uma discussão fundamental. Como tornar a família cúmplice do processo de educação e crescimento dos meninos? Como fazer com que a literatura para crianças e jovens possa tornar-se um processo inverso àquele que seria suposto, e possa contribuir para levar o encanto e a magia da leitura da criança aos adultos?” Uma reviravolta inesperada e feliz. “A família na educação para a leitura e para a cidadania” será discutida por Fernando Pinto do Amaral, Isabel Alçada e Teresa Calçada, todos ligados ao Plano Nacional de Leitura, no dia 5, às 11h.
Segundo o comissário, fazer um encontro neste formato, há dez anos, “talvez tivesse sido bastante mais difícil, a importância reconhecida da leitura tem vindo crescer no mundo da lusofonia e, por isso, estamos mais maduros para este primeiro encontro, que pretendemos sejam muitos mais”.
O escritor, em declarações à Lusa no final do ano, já tinha dado conta da intenção de “criar uma rede lusófona de ligação entre autores e editores, facilitando a comunicação destes com o público, por meio de uma plataforma Web, disponível para os cerca de 290 milhões de falantes lusófonos nativos e os cerca de 800 milhões de falantes totais no mundo”.
Alice Vieira e Richard Zimler também estarão presentes no encontro, onde haverá sessões de contos pelas vozes de António Fontinha, Rodolfo Castro e Sónia Gameiro, oficinas de escrita, ilustração e narração e uma homenagem a Carlos Pinhão. Da comissão de honra desta primeira edição fazem parte Sampaio da Nóvoa, Fernando Pinto do Amaral, Pepetela e Mia Couto.