Desde o passado domingo, a Grécia já não é apenas um país complicado e um espinho encravado nos pés da Europa: é um laboratório político, social e económico com 11 milhões de habitantes, onde o Syriza lidera uma experiência tão arriscada quanto fascinante. Convém recordar que Tsipras leva tão a sério as suas convicções revolucionárias que até chamou Ernesto a um dos seus filhos. Podia ter-lhe comprado apenas um babygrow com boné e estrela, mas não, baptizou-o com o nome do próprio Guevara. E para um homem que faz isso, a simples hollandização do Syriza, ou seja, um afastamento ostensivo entre o programa eleitoral e a acção governativa após o costumeiro banho de realidade, não é expectável. Tsipras, aliás, foi claro no seu discurso de vitória: “A era da troika acabou.”
Mas será que acabou mesmo? O problema do Syriza é que quer ficar com o bolo e comê-lo. Não quer a troika mas precisa do dinheiro da troika. Não quer a austeridade alemã, mas sem o dinheiro dos contribuintes germânicos o país afundar-se-ia mais depressa do que o Colosso de Rodes. Por isso, o seu “não” à troika quer-se “negociado”, e um “não” negociado não é um verdadeiro “não”. O problema da esquerda radical é que a demagogia não está cotada em bolsa, e por isso frases como as proferidas por um entusiástico Pablo “Podemos” Iglesias na noite de domingo – “resgatamos gente, não resgatamos bancos” – podem ser de grande efeito em comícios e tascas, mas não são solução alguma para a Europa. A esquerda acha que a austeridade é uma questão política – eu tendo a achar que é uma questão matemática. Enquanto dois mais dois não forem cinco, a Grécia tem pouquíssima margem de manobra.Mas se olharmos para além da demagogia impraticável do Syriza e da vocação redobrada da Grécia para porquinho-da-índia, há dois aspectos positivos nos novos movimentos tectónicos da política europeia, com os partidos extremistas como o Syriza, o Podemos ou a Frente Nacional a ganharem um peso impensável há apenas quatro anos. Em primeiro lugar, os extremos estão a deslocar-se para o centro, e a ficar mais moderados à medida que o exercício do poder deixa de ser um vago desejo para passar a ser uma hipótese real. O programa do Syriza ainda é de loucos, mas evita, digamos assim, o internamento compulsivo. Em segundo lugar, convém não reduzir o poder atractor destes partidos a uma lógica estritamente anti-austeritária. Uma componente óbvia do seu sucesso é o desejo do eleitorado correr com a velha nomenclatura, que há muito se esqueceu dos mais elementares princípios éticos na condução da vida pública. Numa Europa tão cinzenta, o Syriza vai ajudar-nos a separar o preto do branco: as suas improváveis conquistas e os seus inevitáveis fracassos serão sempre um fantástico ensinamento para todos nós.