A viragem

O Conselho Europeu vai ter de passar a entender com naturalidade que um dos seus membros passe a ser um dos principais críticos das suas políticas.

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O Conselho Europeu vai ter de passar a entender com naturalidade que um dos seus membros passe a ser um dos principais críticos das suas políticas Miguel Manso

Pela primeira vez, um partido-membro do Partido da Esquerda Europeia — o Syriza — ganhou o governo de um Estado-membro da União Europeia (o único antecedente é o do governo do AKEL em Chipre, que até exerceu a Presidência da UE, mas que é apenas membro observador da Esquerda Europeia). Acima de tudo, pela primeira vez um governo francamente antiausteridade será constituído no seio da zona euro (à hora a que escrevo, a única coisa que falta saber é se o Syriza governará sozinho ou em aliança).

Paradoxalmente, o significado deste momento excepcional vai depender da normalidade com que for encarado pelo Conselho Europeu — o fórum de governos onde temos sido desgovernados. O Conselho Europeu vai ter de passar a entender com naturalidade que um dos seus membros passe a ser um dos principais críticos das suas políticas. Cinco anos de austeridade não poderiam ter deixado de criar oposição. A União Europeia deve mesmo reconhecer a sorte que teve com a oposição que nasceu na Grécia: os gregos não soçobraram no populismo nem na agressividade, o fenómeno neonazi foi contido, e escolheram um partido progressista e solidário.

A mensagem que todos os europeus democratas devem então enviar à União Europeia é muito clara: a Grécia não está sozinha. Devem ser cortadas pela raiz todas as tentativas de isolar o novo governo grego, de o chantagear, de o pressionar. Mais ainda do que no passado, atitudes dessas só serviriam para nos aproximar do caos. Não perderiam apenas a Grécia, perder-nos-iam a todos.

Em particular nos outros países da crise, como Portugal, temos razões para estarmos gratos ao povo grego, à sua coragem e à sua bravura. Os gregos abrem uma porta para a transformação das políticas da União Europeia no que diz respeito à dívida e à sua reestruturação, ao combate ao desemprego e à reconquista de possibilidades de desenvolvimento para os nossos países. A conferência europeia de credores e devedores que Alexis Tsipras, futuro primeiro-ministro grego, tem preconizado deve ser defendida pelas outras capitais europeias — a começar pelos governos de Portugal e Espanha, que devem também mudar durante este ano.

No início desta crise chamaram-nos “porcos” — PIIGS: Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha. Os gregos foram certamente os mais vilipendiados de nós, os que foram tratados com mais sobranceria e arrogância. Mas esta crise também nos uniu, e a prova está na forma como agora olhamos para as eleições uns dos outros para ver nelas os sinais do nosso futuro.

Os sinais que os gregos deram ontem foram auspiciosos. Saibamos todos nós, nos países da crise, e todos nós em todos os outros países da União Europeia, ajudar a concretizar a viragem que esses sinais prenunciam.

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