Mulheres que estudam cancro, AVC e descontaminação da água recebem Medalha L’Oréal
Sónia Melo, Raquel Ferreira e Vânia Calisto: cada uma destas três jovens cientistas recebe 20 mil euros para continuar as suas investigações
Três investigadoras, três projectos que lhes valeram uma das Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência, entregues esta quinta-feira à tarde em Lisboa. Sónia Melo, 34 anos, quer perceber se é possível caracterizar as diferentes populações de células de um cancro através de pequenas vesículas que elas expelem no sangue. Raquel Ferreira, de 33 anos, pretende saber se os tecidos lesionados num acidente vascular cerebral (AVC) conseguem recuperar com aplicação de uma certa molécula dentro de nano-cápsulas. E Vânia Calisto, de 29 anos, tenciona testar materiais capazes de remover os resíduos de medicamentos de águas residuais já tratadas.
Cada uma das premiadas recebe esta quinta-feira, 22 de Janeiro, no Pavilhão do Conhecimento, um cheque de 20 mil euros, destinado à continuação dos seus projectos de investigação. Incluindo já as três distinguidas da edição deste ano, a 11ª, cujo júri foi presidido pelo cientista Alexandre Quintanilha, as Medalhas de Honra L’Oréal Portugal para as Mulheres na Ciência apoiaram 34 investigadoras.
Dos exossomas das células cancerosas...
Sónia Melo, do Instituto de Patologia e Imunologia Molecular da Universidade do Porto (Ipatimup), vai estudar os exossomas, as tais pequenas vesículas expelidas pelas células, incluindo as células cancerosas. Os cancros são heterogéneos, ou seja, têm diferentes populações de células. Mas não se sabe exactamente como é que essas diferentes populações de células cancerosas comunicam entre si, para funcionarem como uma massa tumoral coesa e unificada, explica um comunicado de imprensa sobre a distinção.
O objectivo de Sónia Melo é compreender melhor a comunicação entre as diferentes subpopulações de células presentes numa massa tumoral, em particular o papel dos exossomas nessa comunicação e como é que esse processo contribuiu para a evolução de um cancro — incluindo a sua disseminação para outros tecidos através da criação de metástases e a resistência às terapias.
Os exossomas transportam informação genética da célula de origem, como por exemplo o próprio ADN. Assim, a investigadora – que já mostrou que os exossomas são capazes de transformar células saudáveis em células cancerosas, salienta ainda o comunicado – também pretende verificar se estas vesículas conseguem reflectir a heterogeneidade de um cancro. Por outras palavras, se os exossomas permitem construir um retrato pormenorizado das várias células existentes num cancro.
Se tal se confirmar, os resultados deste trabalho podem ter implicações na forma como o cancro é detectado e monitorizado. Ao visualizar o conteúdo dos exossomas provenientes do cancro, a investigadora espera conseguir obter a informação genética sobre ele.
“Como temos acesso ilimitado aos exossomas, através da circulação sanguínea, poderemos usá-los para fazer ‘biopsias líquidas’ mesmo em tumores sólidos, o que significa um método muito menos invasivo do que as biopsias que hoje se fazem”, explica Sónia Melo. E nesse caso, além de se confirmar que os exossomas são uma boa maneira de monitorizar a evolução de um cancro ao longo do tempo, também se mostrará que poderão ajudar a escolher a terapia a aplicar a cada doente em diferentes fases de progressão da doença.
Já Raquel Ferreira, do Centro de Investigação em Ciências da Saúde da Universidade da Beira Interior, vai testar nanopartículas que têm no seu interior ácido retinóico, uma molécula resultante da oxidação da vitamina A. E que não só regula a função vascular como promove a formação de novos neurónios.
Num AVC provocado pela falta de sangue numa região do cérebro (AVC isquémico), devido à obstrução de vasos sanguíneos cerebrais, a viabilidade desses tecidos fica comprometida. Há células do cérebro que morrem e pode haver alterações graves das funções motoras e cognitivas, ou até a morte, do doente.
Geralmente, em resposta a um AVC há um aumento no sangue de células especializadas na formação de novos vasos sanguíneos e na reparação dos vasos danificados no cérebro, mas este processo, por si só, não costuma chegar para o doente recuperar. Por outro lado, as terapias actuais centram-se apenas na reparação neuronal e têm tido uma taxa de sucesso baixa e efeitos secundários graves, refere ainda o comunicado.
Raquel Ferreira pensa que não pode haver uma reparação eficaz do tecido neuronal sem se conseguir reparar os vasos sanguíneos da área lesionada no cérebro. É aqui que entrará o ácido retinóico, tanto para reparar os vasos sanguíneos como para formar novos neurónios, dois aspectos essenciais à recuperação de um AVC.
E agora, a investigadora quer demonstrar que, pela encapsulação do ácido retinóico em nanopartículas, é possível ocorrer esse efeito multi-restaurador dos vasos sanguíneos e dos neurónios. Para tal, pretende testar o efeito terapêutico das nanopartículas nas células especializadas na reparação dos vasos sanguíneos, células essas retiradas de doentes de AVC. “O nosso grupo de investigação já demonstrou que esta nova formulação permite uma entrega eficaz desta molécula, que, de outra forma, apresenta limitações”, diz Raquel Ferreira, citada no comunicado.
A ideia é também testar as nano-partículas com ácido retinóico num modelo animal. Se no final se confirmar que a recuperação dos tecidos com lesões é mais eficaz e que há melhorias das funções motoras e cognitivas, então pode estar aberta a porta a uma nova terapia para os AVC isquémicos, os mais comuns.
…Aos fármacos nas águas residuais
Por fim, Vânia Calisto, do Centro de Estudos do Ambiente e do Mar da Universidade de Aveiro, vai testar materiais adsorventes que removam das águas já tratadas nas ETAR os resíduos de medicamentos psiquiátricos, que acabam por ser devolvidos ao ambiente e chegar às redes de abastecimento doméstico, o que começa a ser uma preocupação. “As ETAR não foram preparadas para eliminar estes compostos e, embora as concentrações não sejam elevadas para causar efeitos mensuráveis nos seres humanos, existem estudos que comprovam já a sua toxicidade para animais que vivem em ambientes aquáticos contaminados”, explica a investigadora.
Vânia Calisto vai continuar a fazer experiências com materiais adsorventes produzidos com resíduos biológicos da indústria da pasta e do papel, através de um tratamento com temperaturas elevadas. Além da eficácia, a cientista pretende que os novos materiais tenham custos baixos, para poderem ser aplicados em larga escala. “Os testes preliminares que já efectuei demonstram que estes materiais têm elevado potencial para a produção de adsorventes eficazes e a sua utilização como matéria-prima permite, em simultâneo, uma solução para a gestão e valorização deste tipo de resíduos industriais.”