Pela não coligação
Com o país nas lonas, PSD e CDS podem ter muito mais a ganhar com um bom bode expiatório do que com um mau companheiro de coligação.
Os colunistas televisivos, aliás, já começaram a construir a tese de um novo tabu. Mas eu sou pelo duplo não: “não” à coligação e, por extensão, “não” à clarificação. Espero que Passos Coelho e Paulo Portas continuem em meditação profunda e, lá para o meio da Primavera, anunciem finalmente o seu divórcio. Antes disso, mais vale estarem caladinhos: no dia em que PSD e CDS anunciarem que concorrem separados às eleições, este já de si desconjuntado Governo escaqueira-se de vez. Convém que tal aconteça o mais tarde possível.
É certo que a renovação de uma coligação PSD-CDS tem a matemática aparentemente do seu lado: devido às particularidades do método de Hondt, o número de deputados eleitos por uma coligação de dois partidos é sempre igual ou superior à soma dos deputados eleitos por cada um dos partidos individualmente. No entanto, este raciocínio parte do pressuposto de que, se um eleitor votar PSD ou CDS-PP, então também irá votar numa coligação em que os dois partidos estejam envolvidos. Ora, isso nem sempre é verdade, de um modo geral, e não é definitivamente verdade no meu caso particular. Neste momento, eu ainda não faço ideia de como vou votar em Outubro, mas disto já estou bastante certo: jamais votarei numa coligação PSD-CDS se for Paulo Portas a continuar a mandar no Largo do Caldas.
Há várias razões para isso. Em primeiro lugar, porque já começa a haver demasiados submarinos na vida de Portas, e certos arquivamentos judiciais são verdadeiras condenações políticas. Em segundo lugar, porque Passos Coelho e Paulo Portas gostam tanto um do outro como Maomé do toucinho – e a probabilidade de dois políticos que mal se suportam após quatro anos de coligação conseguirem entender-se ao fim de oito é nula. Do “irrevogável” aos conflitos de bastidores retratados nos livros de Vítor Gaspar ou Álvaro Santos Pereira, a união PSD-CDS é uma história de infindáveis facadas e facadinhas. Até o eleitor mais desatento sabe que uma reedição da actual coligação jamais poderia cumprir os mínimos olímpicos de confiança mútua que são indispensáveis a quem é obrigado a trabalhar em conjunto.
Mas há ainda um terceiro aspecto, que não me parece ter sido devidamente salientado: perante a impossibilidade de PSD e CDS chegarem a uma maioria absoluta, e a baixíssima probabilidade de sequer conseguirem ganhar as eleições, a ida conjunta dos dois partidos às urnas apenas lhes retira margem de manobra na hora de negociar com o PS. É certo que o CDS pode regressar aos tempos do partido do táxi, mas não é menos certo de que pode sempre sonhar em ser o táxi que dará a indispensável boleia ao PS – sobretudo se Portas for capaz de, durante a campanha, vender a narrativa do bom polícia (“se isto foi assim, imaginem como teria sido se o CDS não tivesse sido o contrapeso do PSD...”).
E quanto ao PSD, a narrativa do mau polícia também lhe pode interessar bastante, sobretudo para convencer aquela fatia de eleitorado que ficou desencantada por o Governo se ter esquecido da sua agenda reformista (argumento: “nós bem queríamos, mas o CDS e o Tribunal Constitucional não deixaram...”). A verdade é esta: com o país nas lonas, PSD e CDS podem ter muito mais a ganhar com um bom bode expiatório do que com um mau companheiro de coligação. Não juntem, pois, os homens aquilo que Deus já separou.