Inquérito a contratos suspeitos na Misericórdia de Lisboa concluiu que não houve violação das regras em vigor

Santana Lopes começou por se declarar "preocupado" e anunciar novas regras para as compras feitas pela Santa Casa. O inquérito, cujo relatório não foi divulgado, defende agora que, afinal, não foi violada qualquer regra.

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De acordo com a directora de Comunicação da Misericórdia, a Mesa (conselho de administração) rejeitou um primeiro relatório, determinando o aprofundamento da investigação, mas a versão final confirmou a inexistência de factos susceptíveis de procedimento criminal ou disciplinar.

Contrariamente ao que o provedor da instituição, Pedro Santana Lopes, tinha afirmado em Outubro, o relatório do inquérito conduzido pelo advogado Jorge Simão não foi divulgado. A decisão de mandar averiguar internamente os factos revelados pelo PÚBLICO foi tomada a 20 de Outubro pela administradora responsável pela área da Saúde, Helena Lopes da Costa, logo que ela e o provedor foram confrontados com o caso, um mês antes da publicação da notícia.

O inquérito mandado instaurar prendia-se com os procedimentos aquisitivos da responsabilidade de três serviços tutelados por Helena Lopes da Costa, embora parte dos contratos suspeitos tivesse a ver com obras realizadas em departamentos de outras áreas. No essencial tratava-se da concentração de 18 encomendas no valor de cerca de dois milhões de euros, desde que a actual administração tomou posse, no final de 2011, em dez empresas pertencentes às mesmas pessoas e com sedes nos mesmos locais.

Muitos destes contratos, habitualmente firmados por ajuste directo, eram celebrados depois de consultadas várias empresas, sendo que estas eram todas, ou quase todas, detidas pelos mesmos sócios das que ficavam com o negócio. Noutros casos, as empresas consultadas não trabalhavam sequer no ramo relativo aos fornecimentos a contratar, ou então tinham a sua actividade localizada a centenas de quilómetros de Lisboa.

Entre as sociedades cujas relações com a instituição levantaram dúvidas avultava a Axentel e a Atena T, empresas da área das telecomunicações, e um conjunto de outras pequenas firmas que se dedicam ao comércio de equipamento médico e produtos hospitalares. Em comum tinham o facto de terem como sócios e/ou gerentes os empresários Afonso Viola e Fernando Catarino, ou familiares de ambos. Fernando Catarino foi durante muitos anos um destacado dirigente dos TSD de Lisboa.

Depois de contactada pelo PÚBLICO, a Mesa da Misericórdia considerou “eticamente inaceitável” algumas destas situações. Santana Lopes manifestou-se "preocupado" e emitiu uma circular normativa em que estabelece um conjunto de regras destinadas a apertar controlo sobre os processos de contratação de bens, serviços e empreitadas. O objectivo, justificou, consistia em evitar as limitações à livre concorrência entre os fornecedores.

Com vista a averiguar o caso concreto dos fornecimentos do grupo ligado a Afonso Viola e Fernando Catarino foi anunciada realização do inquérito, prevendo-se na altura que o mesmo demorasse duas semanas a ser concluído. 

De acordo com a directora de Comunicação da instituição, Rita Tamagnini, esse prazo foi alargado sucessivamente, a pedido do inquiridor, e o primeiro relatório por este apresentado propunha o “arquivamento” do caso. A Mesa, no entanto, devolveu o documento por o considerar “insuficiente”. Segundo a mesma fonte, a versão final foi apreciada antes do Natal e manteve a conclusão de que não foram encontrados “ilícitos penais ou disciplinares”. Apesar disso, acrescentou, "foi decidido aperfeiçoar os mecanismos de controlo interno e reestruturar a Direcção de Aprovisionamentos".

Mais dois contratos com as mesmas empresas
Já depois da publicação da notícia que revelou as relações das empresas de Afonso Viola e Fernando Catarino com a Misericórdia foram divulgados mais dois contratos com o mesmo grupo.

De acordo com o portal Base, onde são obrigatoriamente publicitados todos os contratos sujeito aos regime legal da contratação pública, a instituição comprou à Pratikenigma, em Junho deste ano, “brindes para o Rock in Rio 2014” no valor de 34.950 euros. A empresa é detida por Afonso Viola e por um empregado e dedica-se sobretudo ao comércio de instrumentos médico-cirúrgicos.

Um ano antes, a mesma sociedade já tinha vendido à Misericórdia 49.350 euros de “material de consumo clíunico”. Nessa altura foram consultadas mais duas outras empresas, ambas pertencentes ao mesmo grupo. Desta vez, não foi consultado mais nenhum fornecedor.

No início deste ano, foi também adjudicada uma pequena obra de 48.570 euros à Brick4You, de Afonso Viola. Foram consultadas mais três empresas. Duas são de Viola e Narciso e a terceira está instalada em Leiria, trabalhando apenas nessa zona. A publicação destes dois contratos no portal Base foi feita no fim de Novembro e no início de Dezembro.

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