"Não consigo sair daqui!"
Há marcas das relações precoces significativas que são lentas a desfazer.
“Não consigo sair daqui. Não consigo deixar de ser quem sou, agir deste modo estúpido e amuado, rancoroso e exigente. Penso que já estou melhor e volto ao mesmo. Uma contrariedade, um sentimento de não ser ajudada, de não pensarem em mim, de não estarem comigo, de não me respeitarem, de não me ligarem, de não me darem atenção… no fundo, de não me sentir amada pelas pessoas que me são significativas. Sim, é isso, eu não consigo controlar este sentimento de não me sentir amada cada vez que acontece algo que sai fora do que estou à espera. Algo que me faz sentir rejeitada, excluída, fora da atenção do outro, fora do cuidado do outro ou incompetente. Eu não consigo controlar o meu rancor, o meu ressentimento, a minha angústia. Mesmo que a razão me diga que estou a exagerar, que não é preciso dar toda aquela dimensão, que tudo se resolvia se eu conseguisse desdramatizar e reivindicar sem estes sentimentos de ressentimento e de amuo. Nem imagina como me fico a sentir humilhada e infantilizada. E face a isso, só posso continuar com o amuo, com o mau humor, com as queixas e as acusações, de maneira a ver se o outro me pede desculpa e eu volto a sentir algum amor-próprio. Entende? Se o outro não me dá razão, a parte de mim que acha que eu estou a ser uma infantil, uma palerma, apodera-se de mim toda… e eu sinto-me um lixo e acho que não valho nada e que nunca vou conseguir ser feliz e fazer os outros à minha volta felizes. E fico a odiar essa pessoa. Só me apetece é abandoná-la, magoá-la… agarrando-me à ideia, que não sei se é ilusão ou não, de que sem ela eu seria mais feliz e poderia encontrar alguém que me compreendesse melhor e me fizesse sentir melhor.
“Mas penso agora que talvez o problema seja também meu. Que a insatisfação e a humilhação residam em mim… e sejam reactivadas na relação com os outros. Penso no meu passado e vejo que fui assim sempre… com todos… e aprendi a sê-lo tão cedo quanto na aminha infância, com a minha mãe e o meu pai, onde me sentia excluída, com falta de atenção e sozinha com as minhas emoções. Eu era assim com pais, amigos e namorados. Eu sou assim. Não consigo deixar de ser assim… e não creio que a psicoterapia me possa ajudar. Deixei de acreditar. De que me serve pensar nisto? Eu não consigo sair de dentro de mim. Eu não consigo deixar de ser quem sou… e isso faz-me sentir humilhada, esmagada, infeliz e com raiva e ódio de todos. Até de si, que não me pode ajudar. Mas sobretudo de mim. Ódio de mim, pois percebo que era só levar as coisas menos a sério, relacionar-me com mais as pessoas, não ficar rancorosa, não ser tão crítica de mim e dos outros, abraçar outros projectos. Relativizar. Amar.”
Mas como amar quando se sente tanto ódio, tanta humilhação?
Quando existe uma boa relação, terapêutica e/ou outra, persiste o amor e a paciência. Em tais relações de amor, aceita-se o ódio, mas coloca-se limites à agressividade, sem retaliar no amor, o que ajuda a tomar consciência, a diminuir a culpa e a super-exigência internas.
Há marcas das relações precoces significativas que são lentas a desfazer. A relação terapêutica permite a expressão e a vivência de afectos tão fortes quanto o ódio e a desesperança, sem retaliação, sem perda de afecto e mantendo a esperança. O amor do terapeuta pelo seu paciente, pelo novo estilo relacional que estabelece, actua como um contrapeso ao ódio e à destruição internas. Só o amor permite criar sentido na vida. Alimenta o sonho-projecto. Mantém vivas as partes do paciente que são positivas e lança iluminação sobre novos caminhos. Mantém viva a ideia de que é possível a concretização pessoal e a construção de um projecto de vida que o próprio ame.
Psicoterapeuta